header top bar

Damião Fernandes

section content

Cajazeiras, casa de quem?

18/05/2014 às 14h32

Semanalmente, percorro mais de quatrocentos quilômetros de Cajazeiras á João Pessoa para frequentar as aulas de Mestrado na UFPB. São viagens cansativas e enfadonhas, causado pela distância e pela frequência das viagens. Chegando ao final de uma destas, o ônibus da Guanabara estaciona no pátio de desembarque de passageiros em Cajazeiras. Naquele momento, continuo sentado na espera de que todos os outros passageiros desçam. Eu, ainda sentado, tentando aproveitar os últimos minutos para dar outro “cochilo”, observo os companheiros descendo lentamente, cada um conduzindo seus pertences pessoais: bolsas, mochilas, lençóis, celulares, livros, garrafas d’água, etc. Cada um dirigindo-se calmamente em direção á porta de saída.  

Após a saída do penúltimo, levanto-me vagorosamente, recolhendo minha mochila e me certificando se todas as coisas estão nos devidos lugares, pois tenho leves lapsos de memória. Tudo verificado, conferido e constatado. Todas as coisas estavam em seus devidos lugares. Coloco minha mochila sobre minhas costas, pego minha garrafa de água mineral e cumprindo o ritual dos viajantes, me encaminho lentamente em direção á porta de saída.

Enquanto caminho por aquele corredor estreito entre cadeiras azuis, sou invadido pela aquela alegria do retorno, da chegada, do “até que enfim” ou do chegamos bem. Degrau por degrau, descia diplomaticamente. Ao pisar em terras nativas, meus pulmões pareciam recuperar toda aquela potência de oxigenação do meu sangue e a total capacidade de eliminação do dióxido de carbono do meu corpo. Ao pisar em terras “inacianas”, em meu rosto parecia sentir uma brisa diferente daquela brisa “condicionada” no interior do lugar gelado. A brisa do lado de fora era natural.

Caminho cem ou duzentos metros em direção á um ponto de taxi mais próximo. Olhando para aquela cidade vazia, sem transeuntes ou carros em movimento – Pois já passavam das 23h – faço uma afirmação verbal que de imediato me assombro e ao mesmo tempo me inquieto: “Ufa! Graças a Deus, estou em casa”. Admirado com tal afirmação, começo a raciocinar lentamente: Mas como estou em casa se estou mesmo é em pleno “meio da rua”, e precisamente próximo á Rodoviária da minha cidade.

Em casa? Como assim!? Se ainda preciso percorrer mais de um quilômetro para estar na “minha casa”? Porque relacionamos o “chegar em casa” quando nos situamos apenas numa área territorial de nossa cidade com o “estar em casa”?  Intuitivamente, comecei a entender, que a sensação afetiva do meu sentir-me em casa, estava essencialmente relacionado à também experiencial material do “estar na minha cidade”. Portanto, os caminhos que me trazem à cidade onde moro me trazem também de volta à minha casa. Bem falou Aristóteles, toda filosofia, nasce do espanto. Eu, continuava inquieto.

Isso! foram os gregos, os primeiros a perceberem essa relação– pensei, sorrindo sozinho, andando pelas ruas vazias.  Enquanto eu caminhava á procura de um taxi que me trouxesse para minha casa – Casa aqui significa aquele espaço de moradia para um indivíduo ou conjunto de indivíduos, de tal forma que eles estejam protegidos dos fenômenos naturais exteriores (como a precipitação, vento, calor e frio, entre outros), além de servir de refúgio contra ataques de terceiros – Eu ia lembrando as palavras do filósofo grego Aristóteles, quando ele afirma que a felicidade do homem está profundamente ligada por laços de identidade a um sentimento de pertença á sua cidade ou polis. A cidade é a condição fundamental para que possamos bem viver e somente nela é possível exercitamos qualquer virtude, de acordo com o filósofo.

É neste espaço de beleza, enquanto lugar que reaviva nossos afetos sanguíneos e nossas pertenças simbólicas. Neste instante de encontros, enquanto lugar que reascende o nosso coração de cidadão itinerante. Enfim, é neste lugar de nossas raízes, chamada de minha cidade que se torna possível também chamá-la de minha casa. A partir disso, os termos “cidade e casa”, tornam-se sinônimos linguísticos similares, potencialmente carregados de afetos, que não conseguimos mais separá-los ou distingui-los no cotidiano. Pois, quando estamos em nossa cidade, nos sentimos em casa e assim estamos de fato.

Lembro-me muito bem que enquanto o taxi me trazia para a minha casa eu pensei: Cajazeiras é a minha cidade, portanto, Cajazeiras é a minha casa. A partir disso vieram outros espantos: Porque não cuido da minha cidade  com o mesmo zelo que cuido da minha casa? Porque os assuntos da minha cidade não se tornam tão importantes e fundamentais quanto os assuntos relacionados á minha casa? Porque a organização política, econômica ou religiosa da minha cidade não desperta tanto interesse quanto os mesmo temas relacionados á minha casa? Porque que enquanto na minha casa, o lixo que é produzido lá, tem lugares específicos e oficiais onde deverão ser guardados enquanto que na minha cidade, as ruas e as calçadas são oficializados como lugares-deposito da minha ignorância? Cajazeiras é casa de quem? São perguntas e espantos!

Pelo visto, os espantos iniciais trouxeram outros. As questões primeiras trouxeram segundas. A constatação original de que há uma estreita relação identitário do lugar que chamo de “minha casa” com o lugar que chamo de “minha cidade” pode nos levar a pensarmos também nas relações político-sociais, religiosas e éticas que são construídas nestes mesmos espaços. Se na cidade está constituída a minha casa, lá também deve estar constituída a realização mais profunda da minha vida.

Damião Fernandes

Damião Fernandes

Damião Fernandes. Poeta. Escritor e Professor Universitário. Graduado em Filosofia. Pós Graduado em Filosofia da Educação. Mestre e Doutorando em Educação pela (UFPB). Autor do livro: COISAS COMUNS: o sagrado que abriga dentro. (Penalux, 2014).

Contato: [email protected]

Damião Fernandes

Damião Fernandes

Damião Fernandes. Poeta. Escritor e Professor Universitário. Graduado em Filosofia. Pós Graduado em Filosofia da Educação. Mestre e Doutorando em Educação pela (UFPB). Autor do livro: COISAS COMUNS: o sagrado que abriga dentro. (Penalux, 2014).

Contato: [email protected]

Recomendado pelo Google: