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Francisco Cartaxo

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Divagações sobre cuecas

15/12/2014 às 21h52

Meu pai usava ceroula, uma veste interna, comprida, abaixo do joelho, quase no tornozelo. Costume antigo. Os que lutaram na Bahia pela independência do Brasil, depois do dia sete de setembro de 1822, eram chamados pelos portugueses de “ceroulas”. Nunca soube a razão desse apelido. Mas deixo isso para historiadores, preocupados com as “roupas de baixo” ao longo dos tempos. Talvez haja alguma tese acadêmica centrada na importância da cueca na reprodução humana, nas safadezas de alcova ou nos traços psicológicos dos povos. Veja o leitor que o tema é para quem domina instrumentos e métodos científicos de análise sociológica, histórica e antropológica. Minha preocupação é prosaica, apenas divagar em torno do uso da cueca a partir de quando (eu era menino), peguei meu pai todo ancho experimentando o novo e revolucionário modelo de “cueca samba canção”. 

A cueca jamais era exposta. Passou a sê-lo, porém, quando a propaganda jogou na mídia atletas, homens bonitos, fortes e sorridentes, de “cueca-sunga”, a comprimir as “partes pudendas”, aumentando-lhes o volume, em ostentação de masculinidade. Um saco, embora eu tenha notado a meu redor suspiros femininos… De qualquer sorte ela, a sunga, reinou quase absoluta até que o “pinto” emergiu na brecha e, meio rouco, cantou de galo: “tô apertado, tô apertado”… Aí, a “samba-canção” retomou seu lugar na concorrência mercadológica, agora mais sofisticada, afeita a um “novo homem”, moldada nas academias de ginásticas. 

E as cores? 

Amigo meu, vidrado em curiosidades históricas, me garantiu que cueca só existia na cor branca, tanto que integrava o bloco da “roupa branca”. Fã de Nelson Rodrigues, ele repete trechos inteiros de “A vida como ela é”, a famosa coluna do pernambucano-carioca. Nelson descobriu o porquê da variação de cores nas cuecas. Foi assim. Certo dia, a madame viu uma marca labial vermelha na cueca do respeitável senhor seu marido. Logo ele que ia à missa e, contrito, comungava todos os domingos. Religiosamente. Diante daquela prova material, aliada à gagueira do homem, entre gritos, empurrões e tapas, – sem beijos, claro, – os dois foram parar na delegacia de polícia. 

– Cueca é lugar de se beijar um cristão? 

Cabeça baixa, o varão engoliu em seco. Na presença do delegado, o respeitável senhor papa-hóstia ficou mais gago ainda… Que horror! A cena inspirou então marcha carnavalesca: “Eu mato, eu mato/quem roubou minha cueca pra fazer pano de preto/, minha cueca tava lavada/foi um presente que ganhei da namorada”… Pois bem, esse episódio, concluiu meu amigo, foi o mote para os fabricantes lançarem no mercado cuecas vermelhas. Vermelhas não se denunciam, cochicha o vendedor ao ouvido de jovens e velhos safados! Daí a proliferação de cuecas coloridas em questão de meses! Isso me assegurou o fã de Nelson Rodrigues. De minha parte, prefiro as pretas. Cuecas pretas.

Da página policial, a cueca migrou para a mídia política, quando um petista cearense pouco imaginoso resolveu dar à cueca uma função mais nobre: transportar dólares. Dólares de origem suspeita, obviamente. Sujou. Como era mixaria, ele nem recorreu aos serviços profissionais do doleiro Alberto Yousseff… E o assessor político de grande líder do PT do Ceará foi esquecido… Talvez esteja em alguma praia lá para as bandas do Aracati ou mais perto de Fortaleza no Icaraí… De qualquer forma, a caso serviu para mostrar mais uma utilidade da cueca, embora um meio de transporte pouco seguro… 

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim foi secretário de planejamento do governo de Ivan Bichara, secretário-adjunto da fazenda de Pernambuco – governo de Miguel Arraes. É escritor, filiado à UBE/PE e membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Autor de, entre outros livros, Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras no cerco ao padre Cícero.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim foi secretário de planejamento do governo de Ivan Bichara, secretário-adjunto da fazenda de Pernambuco – governo de Miguel Arraes. É escritor, filiado à UBE/PE e membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Autor de, entre outros livros, Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras no cerco ao padre Cícero.

Contato: [email protected]

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