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Damião Fernandes

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O Menino e a Escola

16/02/2014 às 22h21

O menino acordava pedagogicamente ás 6h40 da manhã.  Algumas vezes fazia isso voluntariamente, mas em outras, era acordado pelo barulho que sua mãe fazia quando estava a preparar o café para seu pai que precisava sair bem cedinho para a roça. Na casa dele, o dia sempre começava mais cedo do que em outros lugares.

No friozinho do dia amanhecendo, o menino despertava e silenciosamente ia sentar-se num banquinho de madeira que ficava próximo á mesa da sala, que de tão velhos ouvia-se enfadonhamente os rangidos. Ele sentava-se alí e caladinho observa todos os movimentos lentos de seus pais pela casa. Ele percebia, por exemplo, o semblante preocupado de sua mãe por saber que naquele dia, como em quase todos os outros, não havia quase nada a ser preparado para o menino comer para que depois pudesse ir para a escola.

Na verdade, nem sempre havia pão, bolacha, biscoito, leite, bolo ou coisa do gênero. Estes eram artigos de luxo para aquele menino ainda em fase de crescimento.  Mas sua mãe, sagradamente, colocava a “chaleira” no fogo para ferver a água do café. O menino, atentamente, observava tudo, ocularmente registrava e teologicamente sacraliza todos os instantes vividos.

Como um sacerdote que se paramenta para o actus liturgicus, seu pai, cuidadosamente tomava em suas mãos a enxada, olhando para ela demoradamente – como que fazia ali um rito de veneração ao principal objeto de sua labuta diária e de sustento de sua família – e depois punha-se a amolar a enxada para a grande tarefa daquele dia. E o menino observava tudo do seu banquinho de madeira. Silenciosamente olhava seus pais e aquela realidade lhe trazia a sensação de sentir-se seguro e protegido.

Pois bem lá fundo aquele menino sabia, que ali estavam aqueles que custando o que viesse a custar, sempre estariam se doando por ele de forma gratuita e continua. O menino bem sabia que sua vida é importante para eles. O menino, ao pensar nessas coisas, soltava discretamente um breve sorriso no canto da boca. Era a alegria ingênua das crianças da sua idade.

Estava ainda o menino a viajar em seus pensamentos angélicos, quando a voz rouca e forte de sua mãe rompe  o silêncio:

_ Já está na hora! Vá se vestir para ir para a escola.

O menino, levanta-se calmamente do seu banquinho e caminha em direção ao banheiro para tomar banho e logo depois ao quarto para vestir-se. Vestia sempre sua camisa de listas grosas e seu calção habitual; até  porque não haviam muitas opções, visto que suas todas as roupas eram doadas por uma caridosa vizinha, uma generosa senhora que morava próximo á sua casa. Ela ainda não havia feito a “reciclagem” nas roupas do seu filho. Por isso, o menino contentava-se com as peças de roupas que lhe era possível. Dignamente vestido, tomava seus livros e cadernos e dirigia-se para a mesa e tomar o seu café.

Literalmente era isso que tinha: O café. Sobre a mesa estava um xícará com sua “boca“ ligeiramente descascada e no centro dela uma linda rosa desenhada. Dentro dela, havia um café substancialmente fraco e constantemente com pouco doce. Como toda criança de sua idade, o menino sempre que podia usava de sua criatividade inata. Ele sempre gostava de misturar farinha ao café até que se formasse aquele delicioso pirão. Com seus livros e cadernos presos ao peito, o menino deliciava-se com seu pirão de café, pois ele sabia que se não tivesse merenda na Escola, aquela seria sua única refeição do dia. Então ele precisava estar preparado, pensava ele.

Ele termina de tomar o seu café e sai caminhando vagarosamente para a pia da cozinha para colocar sobre ela a xícara e a colher suja – e ainda lambendo os lábios com a última colherada do seu pirão de café. Inesperadamente, sua mãe se aproxima e suavemente passa sua mão sobre a sua cabeça. Lhe faz um cafuné demorado e lhe diz:

_ “Vai com Deus filho, Cuidado!”

O menino, desconcertado de tanto feliz, deixa escapar algumas palavras:

_ Tá bom, mãe!

Caminhando em direção á porta, ainda com seus livros e cadernos preso ao peito, lança seu olhar para trás como quem se despede somente naquela manhã e percebe que sua mãe continuava a lhe olhar enquanto saía. Ela, docemente lhe sorri. E aquele menino, mais uma vez compreendeu que a partir daquele instante, não importava o que viesse acontecer no trajeto da ida ou no volta, o olhar sorridente de sua mãe lhe garantia que aquele seria o lugar para o qual ele sempre poderia voltar.

De maneira simples, o menino compreendeu, que o verdadeiro caminho para sua escola começava no atravessar daquelas portas da sua casa. O verdadeiro caminho para sua escola, tinha como ponto de partida a presença e o olhar amoroso dos seus pais em sua direção, sempre. De maneira simples e coerente, o menino compreendeu, que o verdadeiro caminho para a vida, começa sempre no lugar, onde somos desinteressadamente amados.

Damião Fernandes

Damião Fernandes

Damião Fernandes. Poeta. Escritor e Professor Universitário. Graduado em Filosofia. Pós Graduado em Filosofia da Educação. Mestre e Doutorando em Educação pela (UFPB). Autor do livro: COISAS COMUNS: o sagrado que abriga dentro. (Penalux, 2014).

Contato: [email protected]

Damião Fernandes

Damião Fernandes

Damião Fernandes. Poeta. Escritor e Professor Universitário. Graduado em Filosofia. Pós Graduado em Filosofia da Educação. Mestre e Doutorando em Educação pela (UFPB). Autor do livro: COISAS COMUNS: o sagrado que abriga dentro. (Penalux, 2014).

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