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Mariana Moreira

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O velho novo sonho de paz

05/01/2015 às 11h10

E eis que o curso do tempo nos traz a rotina dos gestos e das ações repetidas como rituais que se renovam com a mesmice de tradições e atos automáticos comandados por regras e etiquetas que, atendendo apenas a formas estabelecidas como parâmetros de vivência social, não expressam qualquer indício de verdade e de autenticidade. Nessa rotina, limpamos gavetas, expurgamos o velho, descartamos o inútil, exorcizamos fantasmas, caiamos paredes, renovamos mobiliário real e virtual. Uma empreitada que define a cor da sorte para o vestuário, a gastronomia para os bons fluidos dos dias que se avizinham, os abraços copiados como obrigações que são recorrentes e obrigatórias apenas para atender gestos externos.

Ora, como podemos descartar o velho se ele constitui parte inerente de nossas existências? Como devemos ungir o novo como novidade quando a oposição entre o que se vai e o que se anuncia são partes complementares e essenciais do contexto que forja e molda quem somos, como agimos e pensamos? Como introduzir o novo sem considerar que ele foi gestado das ruínas e destroços do antigo? Que novo e velho são frutos e ventre da mesma realidade? Que ontem e amanhã são intermediações do hoje que já chega trazendo em si as poeiras e teias de nossa senilidade? Como caiarmos paredes, monumentos, templos, se os tijolos, concretos, armações estão sendo carcomidos pela força inexorável do tempo que atualiza o velho e caduca o novo?

E nessa ciranda somos arrematados no torvelinho da vida que vai deixando as marcas do velho em cada traço de nosso rosto, em cada ruga de nossa pele, em cada curvatura de nosso corpo, em cada fio esbranquiçado do nosso pelo, em cada experiência acumulada em nossa trajetória, em cada expressão de dor, de alegria, de prazer, de tristeza, em cada sonho, em cada esperança que nos tange para o devir a cada nova manhã que se anuncia nos raios amarelados da aurora que afugenta a noite e no cantar do galo que quebra o silêncio da madrugada e tece a trama das manhãs que chegam trazendo o novo dia que envelhece na virada do sol poente. E somos novos velhos a cada minuto que antecede as horas, os dias, os meses, os anos, as vidas. Velhos e novos que se imbricam numa estranha, maravilhosa e surpreende simbiose que nos faz viver e que faz a vida ser o singelo espetáculo que, desde a mais remota existência, encanta e fascina.

E o ano novo chega nesse movimento entre o velho que teima em ficar e o novo que se insinua nas franjas e dobras das horas que se reproduzem sem a repetição do mesmo. E vamos renovando antigas existências materiais e oníricas nas esperanças dos novos que explodem em imagens caleidoscópicas como a inventar a vida a cada instante que se esvai entre ondas e fogos que sacodem o mundo e iluminam nossas almas esquecidas de que viver é esse permanente movimento de velhas e novas possibilidades de felicidade.

A todos os minguados leitores desta coluna, um ano novo com as velhas esperanças de paz.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

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