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Mariana Moreira

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Onde nasce o estupro

10/09/2016 às 14h45

A individualização do estupro com a atribuição de sua origem a patologias que desvirtuam o caráter dos indivíduos, transformando-os em seres monstruosos e desumanos, é um entendimento que, embora fartamente empregado como justificativa para os eventos e relativização da responsabilidade de seus autores, mascara e negligencia a sua gênese histórica e seu caráter cultural.

Os livros de história, os relatos de guerras, as manchetes de jornais replicam exemplos fartos da prática do estupro como arma de purificação étnica e racial, como forma de impingir aos derrotados, aos fragilizados, aos inferiorizados, a supremacia do vencedor. O emprego da força, a violência aceita com naturalidade, a violação do corpo feminino que, em muitas culturas, sobretudo aquelas de forte inspiração cristã, é suspenso na condição de sagrado, ou pecaminoso, é uma das mais utilizadas práticas de registro da presença do invasor, do colonizador.

Imprimir no corpo feminino a marca do dominante traduz a forma mais eficiente de aniquilar culturas, de soterrar sociabilidades e afetividades, de impor práticas estrangeiras que dividem, segregam. Uma marca gravada com a submissão do sagrado. A violação ou profanação do corpo feminino, a degradação de suas entranhas e a conversão do prazer em tortura são práticas sutis que, naturalizadas como ações de indivíduos bestializados, escondem sua função política: a submissão da mulher e a invisibilidade de sua condição de ser pensante, que tem um corpo que pulsa, de um sexo que é prazer e realização humana.

Mas o estupro e seus autores não são presenças apenas em práticas políticas de tempos de exceção, como os conflitos e guerras.

O estupro aparece, sub-repticiamente, mas com a intensidade da força imagética da publicidade, nas campanhas que vendem cervejas, veículos e todas as mercadorias idealizadas pelo mundo onírico e alienante do mercado. Mulheres, geralmente jovens brancas, louras, com corpos esculturais e agressivamente expostos, são apresentadas com a mesma importância de um copo de cerveja que pode ser consumido no final de um dia de trabalho.

Corpos que são apenas expressões de prazer, de uso, de descarte. E, na mais tenra infância, os meninos começam a aprender e ver a mulher como uma mera e bela imagem de out door que, como um copo de cerveja, um automóvel, um maço de cigarros, pode ser violada, violentada, adulterada, consumida. São apenas belos rostos, corpos desejados e desejáveis, peças de descartes que podem ser corrompidas, agredidas e, na suprema expressão da concepção machista, estupradas.

E assim, a razão verdadeira do estupro como prática política e social que legitima, reforça e consolida relações históricas machistas, androcêntricas e racistas se esconde, inclusive, atrás do que é considerado apenas irreverência típica do “espírito brasileiro”: a utilização de adesivo onde o estímulo e convite para o estupro da presidenta Dilma Rousseff se espalhou em veículos de todo o país e reforçou o estupro político do golpe de estado bancado por setores machistas do legislativo, do judiciário e da mídia. Afinal, mulher é peça descartável que pode ser manipulada de todas as formas. E continuamos atribuindo a causa do estuporo aos estupradores doentes.

Ora, tenham santa paciência!

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

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Professora Universitária e Jornalista

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