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Francisco Cartaxo

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Saudade da infância

29/01/2018 às 18h56

Vista panorâmica da cidade de Cajazeiras

Amanhecei com saudade de mim mesmo, de minha infância vivida toda ela em Cajazeiras. Nostalgia? Bem provável. Afinal foram situações e momentos significativos que me marcaram e, talvez, tenham mexido com o sentimento de outras pessoas. Tenho profunda saudade da sangria do Açude Grande, quando não havia o canal que Ivan Bichara Sobreira mandou construir. Lembranças da água a rolar nas pedras irregulares, fazendo pequenas cachoeiras, cheias de espumas até espraiar-se na baixada, encostar na calçada alta na casa onde nasci. Nas grandes cheias, a água invadia o quintal pelo portão da frente e a gente pescava sem sair da calçada. Depois, vinha a inundação das terras à margem do curso do riacho, deixando mais rico o solo.

Tenho fortes lembranças do leito seco do riacho Cajazeiras. Não apenas pelas brincadeiras como o futebol de bola de meia, o jogo de castanha, os saltos mortais, nos quais eu nunca me arriscava. Na areia no riacho eu também vi pequenas tragédias, a morte de uma criança. Foi num fim de tarde, quando o sol já não reinava mais. Uma menina, mais ou menos de meu tope, acompanhava a mãe. Ia na frente, saltitante, corria e parava, como em brincadeira. De repente, se estende no chão. Da calçada alta de nossa casa, minha mãe e eu, vimos a aflição da mãe tentando reanimar sua filha, a angústia expressa em lamentos e invocações aos céus. Corremos. Minha mãe abaixa-se, pega o pulso da menina, apalpa o coração, pressente o trágico colapso iminente.

– Corre, Frassales, traz uma vela depressa.

A senhora desconhecida se opõe com inusitado vigor, para surpresa de todos nós. Vira-se para dona Isabel e fala de modo incisivo:
– Não carece vela não… ela já tem a luz do Senhor.

Aquelas palavras se aninharam de forma fulminante na minha cabeça de criança. Ali estava o símbolo de grande diferença entre os católicos e os protestantes. Ou entre cristãos romanos e crentes, como era mais comum chamar os evangélicos naquele tempo.

Tenho saudade da escola de Carmelita Gonçalves, minha professora de primeiras letras, após a iniciação em casa com minha irmã Ilina. A memória guarda visões do percurso desde minha casa, onde hoje funciona o Capes, à Praça da Estação, então o extremo leste da cidade.

Uma enorme caminhada diária! Meu roteiro preferido era pela rua Victor Jurema, sem calçamento, uma casa aqui e outra ali, algumas sem calçada. Havia muitos terrenos baldios onde, em época de chuvas, nascia babugem de todo tipo, mata-pasto, melão de são caetano, canapu, maxixe, pés de milho, feijão de corda, melancia e jerimum. Estes sempre me atraiam, pela curiosidade de acompanhar o rápido crescimento das vingas.

Quando não via nos terrenos baldios da rua, procurava fazê-lo ao redor da casa de meus pais com mais gosto ainda porque ali, sim, a gente plantava, limpava e colhia.

Quando encontro Carmelita, em nossos dias, com seu passo de menina, sua alegria, sua bondade irradiada por onde passa, eu me lembro do padre Rolim, cujo perfil de educador foi referenciado, vezes sem conta, pelo meu pai. Cristiano Cartaxo nasceu em 1887, portanto, conheceu padre Rolim nos últimos anos de sua quase centenária existência. Essa associação que eu faço pode até ser fantasiosa. Em minha mente, porém, as duas criaturas – padre Rolim e Carmelita -, se fundem na imaginária superposição de fotografias e personalidades, unidas pela beleza moral e extrema dedicação ao ensino.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim foi secretário de planejamento do governo de Ivan Bichara, secretário-adjunto da fazenda de Pernambuco – governo de Miguel Arraes. É escritor, filiado à UBE/PE e membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Autor de, entre outros livros, Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras no cerco ao padre Cícero.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim foi secretário de planejamento do governo de Ivan Bichara, secretário-adjunto da fazenda de Pernambuco – governo de Miguel Arraes. É escritor, filiado à UBE/PE e membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Autor de, entre outros livros, Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras no cerco ao padre Cícero.

Contato: [email protected]

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