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Damião Fernandes

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Tragédia em Santa Maria: Onde estava Deus?

28/01/2013 às 16h21

O Brasil inteiro acompanha solidário e estarrecido a profunda dor humana experimentada pelos moradores e parentes das vítimas do incêndio da Boate KISS na cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul.  Diante da profunda dor humana, são desnecessárias as palavras como possibilidade de explicação ou de consolo. Diante da dor humana somente nos é possível a reverência, a solidariedade e o respeito.

Mas, diante do mais absurdo e insuportável sofrimento humano, somos como que impelidos “naturalmente” a perguntarnos “por quê?”, e quase como que um complemento a pergunta anterior, mesmo que muitos de nós não verbalize, trazemos em nós a pergunta: “Porque Deus permitiu que tudo isso acontecesse?”, “Onde estava Deus?”, Que Deus é esse que permite tal coisa?. Antes que as mentes mais superticiosas e puritanas me acusem de cético, herege, ateu ou coisa parecida, afirmo de antemão que não me considero assim e muito menos minha atitude reflexiva. E me tranquiliza saber que essa foi a mesma atitude de questionamento  e de espanto que teve o Papa Bento XVI quando em visita à Polônia, no campo de concentração diante das atrocidades ocorridas em Auchvitz: "Onde estava Deus no holocausto, porque Ele se calou e permitiu que tantas vidas fossem massacradas?"

O Papa Bento XVI contempla o mistério do padecimento humano frente o mistério da Permissão Divina. Longe de ser, por parte do Papa alemão, uma postura cética ou descrente da existência de Deus e do seu cuidado para com aqueles que Ele ama, por isso manifesta seu cuidado. Não que Bento XVI não soubesse onde estava Deus. Também Jesus, no ápice de sua entrega total ao Pai, quando alí, na Cruz, fazia a experiência da profunda dor humana (do Pecado), derrama seu coração em oração ao Pai: “Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonaste?”.

Evidentemente, existem mistérios da ação de Deus na história que somente compreenderemos quando na estivermos na Eternidade. Na verdade, o que o Papa Bento XVI quis dizer é que a maldade humana – tal qual se revelou em Auschwitz e no caso de Santa Maria, a irresponsabilidade humana – nos coloca diante de dois mistérios: o mistério do mal e o mistério da História. Um Deus que num gesto profundo e absoluto de amor nos deu a liberdade pela qual podemos responsavelmente escolher amá-Lo ou, infeliz e desgraçadamente, odiá-Lo. Criaturas inteligentes e livres que podem caminhar para um destino final por sua escolha. Nisso se oculta o que a Igreja chama de mistério da iniquidade. Juntamente com o bem físico existe, portanto o mal físico, enquanto a criação não houver atingido a sua participação. (CIC, 310).

Outro mistério é o da História, na qual Deus providencialmente permite que aconteça o mal — até o do "Deicídio no Calvário" — e desse mal Ele é capaz de retirar um bem. Nesse contexto, vai dizer Santo Agostinho que Deus é tão bom que até do mal retira algum bem, enquanto que o diabo é tão Mau que até do bem quer tirar um mal. A exclamação de Bento XVI diante do campo de atrocidades e genocídio de Auschwitz é a pergunta perplexa do homem diante do mistério do sofrimento e dor humana que fica estarrecido e portanto, pergunta: Meu Deus por que permitiste isso? porque isso!? porque aquilo!?

Quando nos encontramos diante de um mistério,  foge á nossa racionalidade toda capacidade de cognição e de entendimento diante daquilo que está posto. Não podemos negar, que a morte súbita de 231 pessoas, na sua maioria Jovens, não é algo que nossa razão consiga explicar. A profunda dor de milhares de parentes e amigos jamais seremos capazes de mensurar. Estamos diante de um mistério humano tanto quanto de um mistério divino. E assim como o Papa Bento XVI, também ousamos perguntar diante do absurdo da dor humana: “Onde estava Deus”?

E aí o Papa Bento XVI conclui sua reflexão de forma  bela e cristã, mostrando a conformidade com a Vontade de Deus mesmo quando ela nos é misteriosa e incompreensível, como é incompreensível a dor e o sofrimento humano:

"Onde estava Deus naqueles dias? Porque Ele se calou então? Como pode tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal? Vêem-nos à mente as palavras do Salmo 44, a lamentação de Israel sofredor: Tu nos batestes num local de chacais, e nos envolvestes em sombras tenebrosas. Por Ti fomos postos à morte, considerados como ovelhas num matadouro. Levanta-Te Senhor! Por que pareceis dormir, Senhor? Levanta-Te, não nos repilais para sempre! Por que escondes o teu rosto, esquecendo-se de nossa miséria e opressão? Porque estamos prostrados no pó, e o nosso corpo está estendido no chão. Levanta-Te, vem em nossa ajuda; Salva-nos por tua misericórdia". (Salmo 44, 20.23-27).

Não quero aqui estabelecer quem é ou quem não é culpado. De quem foi a maior responsabilidade ou até mesmo questionar se todos os responsáveis serão penalizados por seus atos.  Não é esse o objetivo desse meu texto. Até porque não tenho nenhuma procuração judicial para julgar ou incriminar ninguém. Prefiro Crer firmemente que Deus é o Senhor do mundo e da história.

Os caminhos de Deus e da sua providência muitas vezes são desconhecidos. Só no final, quando acabar o nosso conhecimento parcial, quando virmos Deus “face a face”, teremos pleno conhecimento dos caminhos pelos  quais, mesmo através dos dramas do mal e do pecado, Deus terá conduzido a sua criação até o descanso sabático definitivo. Prefiro acreditar que mesmo diante de um mau, Deus que é rico em amor e misericórdia pode tirar um Bem. O Senhor pode reconstruir as vidas, os sonhos, as perspectivas destruídas. Eu Creio nesse mistério!

Por hora, resta-nos não querermos penetrar racionalmente o mistério da dor humana e muito menos o mistério da onisciência de Deus e de sua providência. Diante do mistério silenciamos e o reverenciamos. Diante da profunda dor humana desses nossos irmãos de Santa Maria, nossa profunda solidariedade e respeito. Nossa sincera oração que a Santa Maria, Mãe de Deus seja para cada um deles a Porta que está para o céu aberta.   

Damião Fernandes

Damião Fernandes

Damião Fernandes. Poeta. Escritor e Professor Universitário. Graduado em Filosofia. Pós Graduado em Filosofia da Educação. Mestre e Doutorando em Educação pela (UFPB). Autor do livro: COISAS COMUNS: o sagrado que abriga dentro. (Penalux, 2014).

Contato: [email protected]

Damião Fernandes

Damião Fernandes

Damião Fernandes. Poeta. Escritor e Professor Universitário. Graduado em Filosofia. Pós Graduado em Filosofia da Educação. Mestre e Doutorando em Educação pela (UFPB). Autor do livro: COISAS COMUNS: o sagrado que abriga dentro. (Penalux, 2014).

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