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Fernando Caldeira

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Um Solitário Adeus para Zé Sozinho

09/02/2009 às 15h20

Recentemente tivemos o falecimento de José Raimundo Cavalcante, aos 67 anos, mais conhecido pela alcunha de "Zé Sozinho". Assim de cara, poucos saberiam de quem se trata tal obituário. Coisas do Brasil onde só se destacam os potentados do vil metal.

Zé Sozinho não poderia receber outro nome que não fosse este de uma sociedade excludente, míope, cruel e indiferente a arte dos pequenos, sobretudo aqueles que fizeram a opção pela maioria(os pobres e miseráveis). Os que transformaram a própria vida num sacerdócio em favor do bem e de uma causa nobre,(como a arte) mesmo no anonimato da mídia e longe dos banquetes das elites, assim como dos holofotes de uma imprensa que só tem olhos para a mesmice e para os castelos dos poderosos.

Zé Sozinho era tão humilde, consciente e espirituoso que logo absorveu com naturalidade e senso de humor este epíteto. Aliás, algo que lhe caíra como uma luva, em parte, pelo fato de aumentar a sua "fama" entre os raros aparelhos midiáticos do Sul. O que não foi lá muita coisa, nem para o trabalho que fazia e, tampouco para si mesmo. Foi por assim dizer, um transgressor em potencial. Um homem de exceção como bem dissera certa feita o filósofo Nietzsche.

Oriundo da agricultura granjeou, contra tudo e contra todos, relativo sucesso ao popularizar a sétima arte entre os excluídos dos sertões. Muitos dos quais a própria sobrevivência já é um milagre.

Tantas foram as cidadezinhas, muitas delas até hoje, nunca tinha conhecido de perto uma projeção cinematográfica, que Zé Sozinho, só ele e Deus conseguiu realizar a troco de nada. Tudo em nome da paixão que mantinha pelo cinema.

Zé respirava cultura e sofria de diabetes. Doença que durante anos tentou curar talvez por meio do amor e a determinação que dedicou às projeções pelas bibocas do nosso interior. Não teve jeito. Seu pobre coração de homem bom resolveu parar numa segunda-feira, 26 de janeiro.

Zé Sozinho não curou o diabetes, mas deu um grande exemplo de cidadania e solidariedade cultural para o Ceará, o Nordeste e o Brasil – fez a sua parte da melhor forma possível como protagonista e diretor do filme maior que foi a sua vida. O cinema para ele, era uma arma para a feitura do bem. Um instrumento pelo qual se poderia mudar a face do país, assim como a cabeça e o coração dos homens.

Considerava-se filho do Caririaçu-CE; onde chegou ainda em tenra idade como retirante pernambucano de Pajeú das Flores. Mas Caririaçu era o rincão que ele carregava de bicicleta junto com o seu projetor de 16 mm e latas de películas para onde quer que fosse. Seu apelido se deu em função desse seu ofício. Porém há quem diga que foi por conta da sua mãe que sozinha conseguira criar seus cinco filhos.

Sozinho, no decurso de 36 anos viveu da sua paixão pelo cinema. Qualquer lugar para ele, era ideal para uma projeção cinemática. No meio da praça, debaixo da ponte, na rua deserta, no tabuleiro da caatinga, no galpão abandonado, no adro da igreja, tudo era possível… Podia até ser sozinho, mas não era um homem solitário nem triste, posto que seus filmes constituíram um mundo à parte com o qual ele dialogava era feliz por isso.

Ágil, disposto e inteligente subia ele mesmo na árvore, montava o alto-falante. Debaixo dela instalava o seu velho projetor e logo, a alegria estava construída. Seus filmes eram a um só tempo: entretenimento e lenitivo para quase todas as agruras e as dores daquele mundão esquecido de meu Deus. Filmes antigos, às vezes emendados, mas bons, consagrados e fascinantes para uma gente que nunca na vida conhecera um cinema de verdade. Tudo ali era novo. Até Coração de Luto, O ébrio, imagens esportivas de Pelé, Garrinha do Flamengo antigo no canal 100, O dólar furado( e os outros faroestes consagrados),Giuliano Gema, A paixão de Cristo, Zé do Caixão, Casa Blanca, Romeu e Julieta, Mazzaropi, Chaplin, Oscarito e outras pérolas raras da Vera Cruz, Atlântida e Cinédia que a partir de Zé Sozinho pareciam novinhas em folha… Não fossem o riscado da fita e o preto e branco das cores. Muitos até choravam durante suas projeções romanescas como nos velhos tempos.

Seu enterro aconteceu no cemitério da na sua Caririaçu, na serra de São Pedro. Onde certamente ficará mais perto de Deus, eternizado, assim como os filmes que apresentava pelos grotões adentro. Hollyood não sabe, mesmo assim me arisco a dizer que o cinema verdadeiro perdeu muito. Está de luto com o desencarne de Zé Sozinho. Mesmo aqui, neste canto escondido do Brasil onde quem sabe, por Zé Sozinho, todos haveremos de viver e levar a utopia da vida até as suas últimas conseqüências…

Outro dia, por absoluta força do acaso, tive o prazer de conhecê-lo, não de carne e osso(como deveria), mas pela telinha mesmo estando tão próximos. Foi numa noite por meio do programa do Jô Soares da TV Globo, quando Zé Sozinho foi entrevistado. Estava radiante de felicidade. Falava da sua história e dos filmes como se estivesse no estrelado, dentro deles. Achei bárbaro aquele homem simples, diferente e determinado. Depois do programa fiquei matutando: como eu um pesquisador sempre atento às coisas do mundo nunca tinha ouvido falar daquela figura da cidadezinha vizinha de nós?! E disse para mim mesmo. – Algo está errado. Nossos talentos não merecem tanto desprezo. A quem podia interessar tanto ostracismo?! No fundo todos nós sabemos a resposta…

Zé Sozinho falava do Cariri e do seu Caririaçu com doçura. Era um abnegado, incompreendido pelos que se acham iluminados, mas que só enxergam os caminhos do poder. Os verdadeiros coitados e ignorantes. Porque a arte e a cultura não dependem e nem precisam tanto deles.

Zé Sozinho foi um "inteirado" fazedor de sonhos, justamente para tantos que perderam a capacidade de sonhar.

Por isso agora Deus haverá de vê-lo lá em cima com bons olhos. Fellini, Mazzaropi, Glaube e tantos outros amantes inveterados da sétima arte não o permitirão sequer que continue sendo chamado como entre nós. Porque no céu nosso Zé, nunca mais estará sozinho. Quem sabe os imortais passem a chamá-lo simplesmente de Zé do Povo.

Adeus grande Zé! Agora você nunca mais ficará Sozinho. A solidão, ao contrário do que pensamos é coisa da vida. Porque sozinhos ficamos nós, os sertanejos do Cariri e do Nordeste inteiro, sem as suas mirabolantes e sensacionais projeções de bondade, educação, saudade, cultura e alegria.

Zé Sozinho deve está agora se divertindo pra valer ao lado do mestre com as suas sempre novas projeções cinematográficas.

Fernando Caldeira

Fernando Caldeira

Jornalista profissional em diversas emissoras de rádio e jornais da Paraíba, atualmente é articulista do Gazeta do Alto Piranhas (Cajazeiras), produtor e apresentador do programa Trem das Onze, apresentado aos domingos pela Rádio Alto Piranhas, colunista dos portais diariodosertão, politicapb, obeabadosertao, canalnoite, e mantém na internet o portal www.fernandocaldeira.com.br

Contato: [email protected]

Fernando Caldeira

Fernando Caldeira

Jornalista profissional em diversas emissoras de rádio e jornais da Paraíba, atualmente é articulista do Gazeta do Alto Piranhas (Cajazeiras), produtor e apresentador do programa Trem das Onze, apresentado aos domingos pela Rádio Alto Piranhas, colunista dos portais diariodosertão, politicapb, obeabadosertao, canalnoite, e mantém na internet o portal www.fernandocaldeira.com.br

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