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Mariana Moreira

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Via crucis hospitalar

29/01/2015 às 21h43

A situação continua comum a milhões de brasileiros que, diariamente, carecem dos serviços de saúde oferecidos pela rede pública: filas, lentidão no atendimento, insuficiência de pessoal, falta de remédios e equipamentos para a realização de exames complementares e, em muitos casos, essenciais para a definição de um diagnóstico preciso e com a antecipação do tempo necessária a cura de muitos males. 

A mais trivial explicação e, sobretudo, justificativa para a sucessão desses problemas e, principalmente, para a recorrência com que eles se registram, situa-se em elaborações do tipo: carência de recursos e investimentos para a concretização de infraestrutura e equipamentos suficientes para o atendimento da demanda, quadro de pessoal insuficiente e inábil para as tarefas, a miséria social e humana que, alimentada por preconceitos e desprezos, cultivam mosquitos, maus hábitos, fraquezas, debilidades.

Mas esses elementos que são alardeados como explicações exclusivas e únicas para os graves problemas que, rotineiramente, são apontados como a principal característica dos serviços públicos de saúde no nosso país, escodem outros dados que, se enfrentados com a seriedade que a dimensão dos problemas exige, certamente, os reduziriam a proporções bem menos dramáticas. Questões como gestão de pessoal, administração hospitalar coerente com as necessidades e carências da população e não em sintonia com os interesses de grupos e personalidades políticas que, via de regra, transformam a saúde da população, ou melhor, os quadros graves de doença, em barganha eleitoral, articulação de ações e de atuação entre os vários serviços e equipamentos.

Falo isso como catarse para a angustia que vivenciei no último final de semana quando precisei de atendimento médico para a filhinha do caseiro do nosso sítio que, nas inocentes brincadeiras e no usufruto da liberdade da correria nos terreiros de Impueiras, caiu e cortou o joelho, carecendo de uma pequena sutura. Chegando a Unidade de Pronto Atendimento somos informados e orientados a procurar o Hospital Infantil uma vez que, pelas regras daquela unidade de saúde, a criança estava abaixo da faixa etária de atendimento. No Hospital Infantil a informação é que ali não era oferecido este serviço sendo feito o encaminhamento para o Hospital Regional. 

A essa altura das idas e vindas o Hospital Regional desponta como o ápice de uma cruzada de desencontros e despreparos. A primeira informação foi que, por ser domingo e como o procedimento exigia a presença de um médico cirurgião, este estava em um procedimento no Centro Cirúrgico. Além do mais, era o único profissional na especialização no Hospital que, por sua configuração regional, atende uma ampla região. O relógio já anunciava vários minutos após o meio dia. Ao nosso lado vários outros pacientes expressando nos rostos suas dores e desesperanças. Entre estes uma octogenária cuja espera já ultrapassava cinco horas. Mais uma informação: a de que o cirurgião tinha ido para a Maternidade atender uma urgência de cirurgia cesárea. Após três horas de espera, finalmente, o atendimento é prestado, com uma indisfarçável má vontade do profissional médico que alega não ter conseguido almoçar devidamente pela cobrança de retornar ao atendimento no ambulatório.

Questões que vão além da mera desculpa de serviço público e que escancara a ausência de um planejamento de pessoal. E mais, se existe carências, insuficiência de pessoal, recursos e equipamentos, a solução não reside na punição a quem, em momento de fragilidade, espera apenas atenção e cuidados. Se não temos condições de funcionamento, façamos greves, protestos, manifestações. Empunhemos bandeiras, ergamos faixas e façamos nossa voz ser ouvida por governantes. E mais, sejamos inteligentes e saibamos usar o planejamento e a articulação de ações e serviços.

Sugestões que deixei em uma pequena folha na urna do hospital reservada para a Ouvidoria.

Sugestões que espero que meus sobrinhos Helder, Julieny e Betina (médicos e quase médicos) escutem e executem enquanto profissionais que devem ver o paciente não apenas como mais um atendimento na estatística geral, mas como seres de sonhos e sons, cores e cheiros de gente.

Ah, apenas informando: a menina precisou de apenas quatro pontos no ferimento. Muito pouco para tamanha espera e massacre.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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