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8 perguntas para entender a guerra na Síria e o que está acontecendo em Aleppo

Implicações dos últimos desdobramentos no principal campo de batalha do conflito, que já matou mais de 400 mil pessoas, podem definir futuro do país.

Por Henrique

16/12/2016 às 07h10 • atualizado em 16/12/2016 às 00h15

Implicações dos últimos desdobramentos no principal campo de batalha do conflito que já matou mais de 400 mil pessoas (Foto: Karam Al-Masri/AFP)

Centenas de pessoas foram retiradas em ônibus e ambulâncias de um enclave dominado pelos rebeldes na cidade síria de Aleppo.

Mas segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a retirada total dos civis e dos rebeldes deve levar dias.

Nesta semana, forças do governo, apoiadas pelos aliados russos, tomaram o controle de quase todas as partes de Aleppo que ainda eram dominadas pelos rebeldes – uma grande vitória para o presidente Bahsar al-Assad.

Enquanto ele anunciava a “libertação” da cidade e dizia que história estava sendo feita, um vídeo com crianças de Aleppo circulava na internet.

A gravação, na qual um grupo de 47 crianças órfãs pede para sair da cidade sitiada e fala sobre seu medo, se transformou em mais um exemplo da dramática situação da população civil no local.

Mas quais as implicações desses últimos desdobramentos? Entenda esse e outros pontos da guerra que, segundo a ONU, já matou mais de 400 mil pessoas e obrigou mais de 4,5 milhões a fugirem.

1. O que está acontecendo em Aleppo e quais as implicações dos últimos desdobramentos?

A cidade tem sido um dos principais campos de batalha entre forças do governo e os rebeldes que querem tirar Assad do poder. Em novembro, as tropas governamentais lançaram um novo ataque e rapidamente retomaram o poder de quase toda a cidade. Nas últimas semanas, elas conseguiram confinar os rebeldes em poucos bairros.

Dezenas de milhares de civis conseguiram escapar, mas a ONU afirma que centenas desapareceram ao tentarem controlar áreas controladas pelo governo e que rebeldes estão impedindo que civis fujam.

Nesta quinta-feira (15), as forças beligerantes acordaram um cessar-fogo no qual os rebeldes e suas famílias poderiam ser levados para outras partes do país controladas por eles. Outro ponto acordado é o de que os feridos seriam levados a hospitais.

Aleppo já foi a maior cidade da Síria, com uma população de 2,3 milhões de habitantes. Também era o centro financeiro e industrial do país.

Em 2011, quando explodiram os protestos contra Assad, a cidade não foi palco de grandes manifestações ou da onda de violência que atingiu outras localidades. Mas no ano seguinte, ela se tornou um campo de batalhas importante após uma iniciativa dos rebeldes para expulsar as forças governamentais.

Aleppo acabou sendo dividida em dois e, nos quatro anos seguintes, se tornou um microcosmo do conflito, simbolizando as fraquezas dos dois lados da guerra e também o fracasso da comunidade internacional para proteger os civis e obter um acordo de paz.

Se Assad de fato retomar totalmente a cidade, isso significa que ele passará a deter o controle das quatro maiores cidades do país. Ele pode esperar que a vitória em Aleppo seja uma bola de neve que desemboque no fim da guerra.

Mas com as forças rebeldes, grupos jihadistas e curdos ainda controlando grandes partes da Síria, pode ser que a guerra continue por muito tempo. Então, há a possibilidade de o conflito se tornar um outro tipo de guerra – em que os rebeldes não estão tentando assegurar territórios, mas sim praticando um tipo de insurgência que ataca e recua rapidamente.

2. Qual era a situação na Síria antes da guerra?

Antes do início do conflito, muitos sírios se queixavam de um alto nível de desemprego, corrupção em larga escala, falta de liberdade política e repressão pelo governo Bashar al-Assad – que havia sucedido seu pai, Hafez, em 2000.
Um março de 2011, adolescentes que haviam pintado mensagens revolucionárias no muro de uma escola na cidade de Deraa, no sul do país, foram presos e torturados pelas forças de segurança.

O fato provocou protestos por mais liberdades no país, inspirados na Primavera Árabe – manifestações populares que naquele momento se estendiam pelos países da região.

Quando as forças de segurança sírias abriram fogo contra os ativistas – matando vários deles -, as tensões se elevaram e mais gente saiu às ruas. Os manifestantes pediam a saída de Assad.

A resposta do governo foi sufocar as divergências, o que reforçou a determinação dos manifestantes. No fim de julho de 2011, centenas de milhares saíram às ruas em todo o país exigindo a saída de Assad.

3. Como começou a guerra civil?

À medida que os levantes da oposição aumentavam, a resposta violenta do governo se intensificava.

Simpatizantes do grupo antigoverno começaram a pegar em armas – primeiro para se defender e depois para expulsar as forças de segurança de suas regiões.

Assad prometeu “esmagar” o que chamou de “terrorismo apoiado por estrangeiros” e restaurar o controle do Estado.
A violência rapidamente aumentou no país: grupos rebeldes se reuniram em centenas de brigadas para combater as forças oficiais e retomar o controle de cidades e vilarejos.

Em 2012, os enfrentamentos chegaram à capital, Damasco, e à segunda cidade do país, Aleppo.

O conflito já havia, então, se transformado em mais que uma batalha entre aqueles que apoiavam Assad e os que se opunham a ele – adquiriu contornos de guerra sectária entre a maioria sunita do país e xiitas alauítas, o braço do Islamismo a que pertence o presidente.

Isto arrastou as potências regionais e internacionais para o conflito, conferindo-lhe outra dimensão.

Em junho de 2013, as Nações Unidas informaram que o saldo de mortos já chegava a 90 mil pessoas.

4. Quem está lutando contra quem?

A rebelião armada da oposição evoluiu significativamente desde suas origens.

O número de membros da oposição moderada secular foi superado pelo de radicais e jihadistas – partidários da “guerra santa” islâmica. Entre eles estão o autointitulado Estado Islâmico e a Frente Nusra, afiliada à Al-Qaeda.
Os combatentes do EI – cujas táticas brutais chocaram o mundo – criaram uma “guerra dentro da guerra”, enfrentando tanto os rebeldes da oposição moderada síria quanto os jihadistas da Frente Nusra.

Também combatem o Exército curdo, um dos grupos que os Estados Unidos estão apoiando no norte da Síria.
Desde 2014, os EUA, junto com o Reino Unido e a França, realizam bombardeios aéreos no país, mas procuram evitar atacar as forças do governo sírio.

Já a Rússia lançou em 2015 uma campanha aérea com o fim de “estabilizar” o governo após uma série de derrotas para a oposição. Essa intervenção possibilitou vitórias significativas das forças aéreas sírias.
Os rebeldes moderados têm requisitado armas antiaéreas ao Ocidente para responder ao poderio do governo sírio. Mas Washington e seus aliados têm procurado controlar o fluxo de armas por medo de que acabem indo parar nas mãos de grupos jihadistas.

5. Qual é o envolvimento das potências internacionais?

Os Estados Unidos culpam Assad pela maior parte das atrocidades cometidas no conflito e exigem que ele deixe o poder como pré-condição para a paz.

Já a Rússia apoia a permanência de Assad no poder, o que é crucial para defender os interesses de Moscou no país.
O Irã, de maioria xiita, é o aliado mais próximo de Bashar al-Assad. A Síria é o principal ponto de trânsito de armamentos que Teerã envia para o movimento Hezbollah no Líbano – a milícia também enviou milhares de combatentes para apoiar as forças sírias.

Estima-se que os iranianos já tenham desembolsado bilhões de dólares para fortalecer as forças sírias, provendo assessores militares, armas, crédito e petróleo.

Contrapondo-se à influência do Irã, a Arábia Saudita, principal rival de Teerã na região, tem enviado importante ajuda militar para os rebeldes, inclusive para grupos radicais.

Outro aliado importante dos rebeldes sírios, a Turquia tem buscado limitar o apoio dos EUA às forças curdas, que acusam de apoiar rebeldes do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão).

Os rebeldes da oposição síria ainda têm atraído apoio em várias medidas de outras potências regionais, como Catar e Jordânia.

6. Por que a guerra está durando tanto?

Um fator chave é a intervenção de potências regionais e internacionais.

Seu apoio militar, financeiro e político tanto para o governo quanto para a oposição tem contribuído diretamente para a continuidade e intensificação dos enfrentamentos, e transformado a Síria em campo para uma guerra indireta.
A intervenção externa também é responsabilizada por fomentar o sectarismo no que costumava ser um Estado até então secular (imparcial em relação às questões religiosas).

As divisões entre a maioria sunita e a minoria alauita no poder alimentou atrocidades de ambas as partes, não apenas causando a perda de vidas, mas a destruição de comunidades, afastando a esperança de uma solução pacífica.

A escalada de terror causada por grupos jihadistas como o EI – que aproveitou a fragilidade do país para tomar o controle de vastas partes de território no norte e leste – acrescentou outra dimensão ao conflito.

7. Qual é o impacto da guerra?

Segundo a ONU, a guerra já matou mais de 400 mil pessoas e obrigou mais de 4,8 milhões de pessoas a fugir de suas casas – a maioria mulheres e crianças.

O êxodo de refugiados, um dos maiores da história recente, colocou sob pressão os países vizinhos – Líbano, Jordânia e Turquia.

Cerca de 10% deles buscam asilo na Europa, provocando divisões entre os países do bloco europeu sobre como dividir essas responsabilidades.

E as estatísticas terríveis não param por aí.

A ONU disse que são necessários US$ 3,2 bilhões para prover ajuda humanitária a 13,5 milhões de pessoas – incluindo seis milhões de crianças – no país.

Além disso, 70% da população não tem acesso a água potável, uma em cada três pessoas não consegue suprir as necessidades alimentares básicas, mais de 2 milhões de crianças não vão à escola e uma em cada cinco indivíduos vive na pobreza.

8. O que a comunidade internacional faz para pôr fim ao conflito?

Como nenhuma das partes é capaz de impor uma derrota decisiva à outra, a comunidade internacional há muito concluiu que a única forma de pôr fim à guerra é por meio de uma solução política.

O Conselho de Segurança da ONU pediu a implementação do Comunicado de Genebra, adotado em 2012 na cidade suíça, que contempla um governo de transição com amplos poderes executivos “baseado no consentimento mútuo”.

Porém, as negociações de paz de 2014, conhecidas como Genebra 2, foram interrompidas. A ONU responsabilizou o governo sírio por se recusar a discutir as demandas da oposição.

Um ano depois, a ascensão do grupo autodenominado Estado Islâmico deu novo ímpeto à busca por uma solução pacífica.
Em janeiro deste ano, Estados Unidos e Rússia conseguiram convencer as partes em conflito a participar de “conversas de aproximação” em Genebra para implementar o plano da ONU.

Mas as negociações foram suspensas ainda na fase preparatória, depois que as forças de segurança sírias lançaram uma ofensiva contra a cidade de Aleppo, no norte do país.

Este ano, as duas superpotências mundiais conseguiram negociar uma interrupção das hostilidades, com a qual os enfrentamentos foram suspensos.

A última trégua parcial, em meados de setembro, fracassou dias depois de entrar em vigor, após um ataque letal contra um comboio de ajuda humanitária, no qual morreram 20 civis.

Os EUA culparam a Rússia pelo bombardeio – Moscou negou as acusações. Uma nova tentativa de salvar o cessar-fogo fracassou nesta semana em Nova York.

O chanceler britânico, Boris Johnson, convocou os embaixadores da Rússia e do Irã no Reino Unido para discutir sua “preocupação” sobre a ação dos dois países na Síria.

Ele disse que esses países falharam ao não ajudar no envio de ajuda humanitária a Aleppo e disse que ambos precisam garantir que as tropas da ONU supervisionem o processo de retirada dos civis e dos rebeldes.

O Ministério de Defesa da Rússia disse que as autoridades sírias garantiram a segurança dos grupos armados que decidiram deixar a cidade.

Na quinta-feira, o governo sírio anunciou uma nova ofensiva militar em Aleppo para recuperar áreas controladas por rebeldes.

Após o anúncio, a cidade foi alvo de bombardeios ainda mais intensos que os vistos no país nos últimos meses.

G1

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