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Ex-treinador do João Pessoa Espectros relata agonia em meio a terremoto no México

Coordenador ofensivo do Brasil Onças e ex-treinador do Espectros, Brian Guzman mora em Cholula, que foi atingida pelos tremores, e descreve a sensação: "Como se estivesse numa cama elástica"

Por Priscila Belmont

21/09/2017 às 09h22

Prédios desabados em Cholula, no estado de Puebla (Foto: Arquivo pessoal / Brian Guzman)

Foi do meio do campo do time de futebol americano da cidade que o ex-treinador do João Pessoa Espectros e coordenador ofensivo da seleção brasileiro, Brian Guzman, sentiu, na última terça-feira (19), os tremores do terremoto de magnitude 7,1 que matou mais de 200 pessoas no México. O time do Aztecas, que pertence a Universidad de las Américas Puebla (UDLAP), e do qual Brian faz parte da comissão técnica desde o ano passado, tinha acabado de fazer o alongamento e se organizava para o treino de preparação do próximo jogo, que acontece no sábado, quando a sirene de alerta de terremoto tocou e, imediatamente, começou a trepidação, que chegou, inclusive, a derrubar alguns atletas.

– Quando a sirene começou a soar, a gente já começou a sentir a trepidação, e foi diferente do terremoto anterior de duas semanas atrás porque o outro a gente sentiu muito pouco. Esse não. A gente sentia o chão pulando como se tivesse numa cama elástica e dava para ouvir a fachada do prédio de engenharia caindo, que fica um pouco mais distante no campus. Então, quando parou, foi aquela correria de colocar os jogadores no meio de campo e garantir que nenhum dos nossos estudantes assistentes estivessem em cima das torres filmando (o treino). Durou uns dez ou quinze segundos. Daí a gente começou a ver todo mundo sendo evacuado dos prédios da universidade – relatou Brian, campeão brasileiro de futebol americano de 2015 comandando o João Pessoa Espectros.

Brian Guzman faz parte da comissão técnica do Aztecas Udlap, time de Cholula (Foto: Divulgação / Aztecas Udlap)

O treinador contou que teve sorte por estar no campo aberto, em uma das partes mais seguras do campus da universidade, onde se mantiveram até o momento em que o departamento atlético permitiu que eles voltassem para os vestiários para buscar as mochilas e pegar o celular para entrar em contato com a família e amigos, mas o procedimento só permitia que se entrasse um por um dentro do edifício.

– Foi bem sinistro porque a gente não sabia a magnitude do negócio. A gente sentiu a força do terremoto, caiu no chão e tudo, no meio do treino, mas nossa preocupação era saber o que tinha acontecido em outras partes da cidade. Chegavam notícias de que a Cidade do México tinha sido muito afetada e a gente tem muitos jogadores de lá. Então foi aquele desespero para entrar em contato com familiares e amigos e a rede de celular sem sinal. Ficou um tempo sem pegar. Com o tempo as coisas foram se acalmando – contou.

O mais curioso é que o forte tremor dessa terça-feira, e que foi sentido em 18 municípios, foi exatamente no aniversário de 32 anos do terremoto de 1985, que deixou milhares de mortos na capital mexicana naquele ano.

– Tradicionalmente, aqui no México tem o que eles chamam de “simulacro”. Então todo ano, no aniversário daquele terremoto, todos os lugares como as escolas, as empresas, etc., fazem simulação de evacuação e isto aconteceu, inclusive, algumas horas antes do terremoto bater. Sempre acontece do alarme de sismo soar na Udlap, só que mais tranquilo. Em 99% das vezes, soa o alarme e a gente sai da estrutura, vai para o ponto de reunião e nunca acontece nada, dá três minutos e nós voltamos para o prédio. Sempre tem isso durante o ano. Mas só que desta vez, foi bem estranho porque não soou este alarme preventivo, soou o alarme de sismo e começou a tremer. Então, foi bem surreal – comentou.

O terremoto, que teve seu epicentro em Raposo, no estado de Puebla, foi sentido em toda região central do México, afetando principalmente a capital Cidade do México, onde foi identificado o maior número de mortes. Em Cholula, onde mora Brian, os tremores geraram desabamentos, entre eles da cúpulas da Igreja de los Remedios, que fica em cima pirámide, um dos principais pontos turísticos da cidade.

E apesar de dizer que o clima está ligeiramente mais tranquilo, Brian adimite que ainda há muita preocupação na cidade. Tudo está fechado e as aulas e treinos do time foram suspensos nesta quarta-feira e quinta-feira. Entretanto, ainda não se sabe se vai acontecer a partida do próximo sábado.

De acordo com o brasileiro, o maior problema agora é a preocupação com a ocorrência de uma réplica do terremoto, que ainda pode acontecer.

– A maior agonia é porque ouvimos notícias de todo tipo e é difícil saber o que é verdade agora. Tem saído informações de que tem outro terremoto pior para vir enquanto a terra está se acomodando. O que faz você pensar: já está tudo rachado, se bate outro terremoto no meio do México, vai cair tudo. Então, fica todo mundo agoniado com isso. O pior é à noite. De dia é mais reagir a estas coisas. Quando o terremoto bate de noite, com você dormindo no terceiro andar é complicado. Então a gente já foi orientado a deixar uma mochila com roupa, passaporte, dinheiro, água essas coisas. É uma coisa meio maluca – concluiu.

Confira o relato de Brian:

Primeiros momentos do terremoto

Nós demos sorte porque eu acho que o terremoto acontece aqui em Cholula mais ou menos de 13h15 e o nosso treino começa às 13h. Então, nós estávamos no campo e tínhamos acabado de terminar o alongamento. Foi quando a gente ouviu a sirene da universidade soando, a sirene de alerta de terremoto. Quando a sirene começou a soar, a gente já começou a sentir a trepidação, e foi diferente do terremoto anterior de duas semanas atrás porque o outro a gente sentiu muito pouco. Esse não. A gente sentia o chão pulando como se tivesse numa cama elástica e dava para ouvir a fachada do prédio de engenharia caindo, que fica um pouco mais distante no campus. Então, quando parou, foi aquela correria de colocar os jogadores no meio de campo e garantir que nenhum dos nossos estudantes assistentes estivessem em cima das torres filmando (o treino). Durou uns 10/15 segundos e daí, a gente começou a ver todo mundo sendo evacuado dos prédios da universidade.

Como a gente estava dentro do campo, este era o lugar mais seguro para estar. Então, a gente continuou lá até receber instruções do departamento atlético, que veio logo em seguida e aí, a gente foi orientado a voltar para o vestiário. Os prédios estavam todos fechados, então, eles permitiram que entresse de um por um, para pegar celular e entrar em contato com a família. Foi bem sinistro porque a gente não sabia a magnitude do negócio. A gente sentiu a força do terremoto, caiu no chão e tudo, no meio do treino, mas nossa preocupação era saber o que tinha acontecido em outras partes da cidade. Chegavam notícias de que a Cidade do México tinha sido muito afetada e a gente tem muitos jogadores de lá. Então foi aquele desespero para entrar em contato com familiares e amigos e a rede de celular sem sinal. Ficou um tempo sem pegar. Com o tempo as coisas foram se acalmando e a preocupação agora era de garantir que os nossos jogadores tivessem onde ficar. Os dormitótios estavam todos fechados e eles não podiam entrar porque a proteção civil estava revisando a estrutura. Então foi um dia bem complicado porque ainda tinha o risco de réplica. Os amigos se reuniram e dorminaram uns nas casas dos outros para garantir que ninguém estivesse sozinho. Ninguém dormiu de verdade, mas agora parece que está mais tranquilo.

Alarme e tremor imediato

Tradicionalmente, aqui no México tem o que eles chamam de “simulacro”. Então todo ano, no aniversário daquele terremoto, todos os lugares como as escolas, as empresas, etc., fazem simulação de evacuação e isto aconteceu, inclusive, algumas horas antes do terremoto bater. Geralmente, a gente recebe instruções do RH de como proceder, principalmente, porque somos responsáveis por estudantes, por atletas. E sempre acontece do alarme de sismo soar na Udlap, só que mais tranquilo, e soa antes do terremoto bater. Em 99% das vezes, soa o alarme e a gente sai da estrutura, vai para o ponto de reunião e nunca acontece nada, dá três minutos e nós voltamos para o prédio. Sempre tem isso durante o ano. Mas só que desta vez, foi bem estranho porque não soou este alarme preventivo, soou o alarme de sismo e começou a tremer. Então, foi bem surreal.

Depois do tremor

A primeira coisa que passa na sua cabeça é de garantir que todos os jogadores estejam seguros. Depois é a parte de entrar em contato com as outras pessoas, mas nossos celulares e todas as nossas formas de contato estavam dentro do vestiário. Então, o pessoa da proteção civil foi deixando entrar de um por um no edifício para pegar. E foi organizado por quem tinha mais urgência, como o nosso coordenador defensivo, que o filho estava na escola e tem um bebê recém-nascido, por exemplo.

Quando eu finalmente pude pegar meu celular, tinha mensagem de muita gente do Brasil, do pessoal do Espectros, muita gente tentando entrar em contato comigo e eu fui respondendo como podia por que a internet estava muito instável. Eu queria tranquilizar todo mindo, mas eu estava na agonia de falar com os amigos do México, entrar em contato e garantir que todo mundo estivesse bem e este é o maior desespero.

A comunicação é muito difícil e você não sabe o que aconteceu. Tem gente em zona mais afetada e tudo. Eu consegui ir tranquilizando as pessoas aos poucos. Até entendo porque é a mesma agonia que eu passei com os meus amigos na Cidade do México. Você ver na televisão que o epicentro foi em Puebla e pensa que foi dentro da nossa cidade, mas apesar do dano ter sido muito extenso aqui, a gente estava relativamente seguro. Eu consegui falar com meu pai nos Estados Unidos, com minha mãe no Brasil, dentro de uma hora, então eu consegui tranquilizar todo mundo, mas realmente o medo foi de ter qualquer réplica mesmo.

Foco na reconstrução

Tem muito edifício que está interditado ainda. Então eu tive amigos que dormiram aqui em casa comigo e não puderam voltar à suas casas. Eu acho que agora é que as coisas vão se acalmar, mas há muito dano na cidade. A igreja que fica em cima da piramide perdeu duas cúpulas. É uma imagem que eu acordo e vejo todo os dias. Agora, olho e está faltando um pedaço da igreja. Assim: é uma coisa muito maluca, eu nunca tinha vivido algo assim

O que é muito legal de ver é que tem muito trabalho voluntário acontecendo e as pessoas estão se ajudando muito tanto na Cidade do México, e aqui também. As aulas estão canceladas hoje e amanhã, assim como os treinos. Por enquanto, o jogo está mantido para o sábado à noite, mas a gente vai esperar para receber instruções da Liga e também vai receber informes de onde pode ajudar. O time vai fazer trabalho voluntário para ajudar a levantar escombros, levar água para o pessoal. Aqui foi menos afetado do que a capital porque a cidade do México é mais vertical, então teve mais edifício comprometido, mas de todo jeito a gente vai manter os jogadores envolvidos, ajudar como for possível. O foco é este. A gente tem que se ajustar e adaptar à mudança de rotina e botar a comunidade em primeiro lugar.

Globo Esporte PB

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