Procurador Eleitoral dá parecer contra registro de candidatura da prefeita eleita de Cajazeiras
O recurso de Cajazeiras, interposto pelo prefeito de Cajazeiras, Carlos Rafael, derrotado nas urnas, pode ser julgado no TRE-PB ainda este ano.
O procurador regional eleitoral Yordan Moreira Delgado ofereceu, nesta terça-feira (27), parecer contra o registro da candidatura da prefeita eleita de Cajazeiras, Denise Oliveira (PSB), considerando que a apresentação de candidato de última hora em substituição a postulante barrado pela Lei da Ficha fere princípios constitucionais, especialmente o princípio da soberania popular, e constitui abuso de direito.
A substituição de última hora, para o procurador, representa fraude à vontade popular, que, segundo ele, estaria protegida na Constituição no enunciado de que todo poder emana do povo, o que não ocorreria quando o eleitor vai à urna e vota em um candidato que não tem foto nem o nome registrados no equipamento eletrônico. “Dessa forma, o povo não pode ser persuadido a votar em um candidato quando não é aquele que o representará. Tal situação fere de morte toda a base do ordenamento jurídico democrático”, diz trecho do parecer ministerial.
No caso de Cajazeiras, Denise Oliveira substituiu o marido Carlos Antônio (DEM), que teve a candidatura indeferida pelo TSE. O pedido de substituição ocorreu às 9h24 minutos do sábado, dia 06/10, véspera da eleição. Na urna apareceu a foto de Carlos Antônio e o número 25, do Democratas, embora Denise Oliveira seja filiada do PSB, cujo número é o 40.
De acordo com o procurador Yordan Delgado, a substituição de candidatura de última hora em Cajazeiras também feriu os princípios da boa-fé objetiva, da razoabilidade e da proporcionalidade, já que a candidata substituta não participou de comícios, debates e de atos de campanha. Além disso, o representante do Ministério Público Eleitoral vê abuso de direito no ato praticado em Cajazeiras.
“Salta aos olhos a má-fé de ambos os candidatos. Salta aos olhos o abuso de direito – se interpretado, equivocada e literalmente, o já mencionado art. 13, § 1º, da Lei nº 9.504/97. No caso em apreço, a intenção de ludibriar o eleitorado é escancarada, tendo em vista que o fato que deu origem à substituição não foi alheio à vontade dos sujeitos responsáveis pela conduta”, sustenta o procurador.
Em seu parecer, o procurador Yoadan Delgado cita a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), que considerou inválida a substituição de candidatura de última hora do município de Euclides da Cunha Paulista. Ele também considera a candidatura da prefeita eleita Francisca Denise Oliveira ilegítima de inválida e recomenda o indeferimento do registro.
O recurso de Cajazeiras, interposto pelo prefeito Carlos Rafael (PTB), derrotado nas urnas, pode ser julgado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PB) ainda este ano, antes do recesso da Justiça.
Veja, a seguir, a íntegra do parecer do procurador Yordan Moreira Delgado:
Trata-se de recurso contra sentença do Juízo da 42ª Zona Eleitoral que deferiu pedido de registro de candidatura em substituição à recorrida, por entender terem sido atendidas as exigências dos arts. 26, 27, 29, 37 e 67, todos da Resolução TSE nº 23.373/2011 (fls. 172/178).
Sustenta o recorrente que o pedido de registro de candidatura em substituição sob exame desatendeu as formalidades do art. 13, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.504/97. Argumenta, ainda, que houve prática de fraude eleitoral na escolha do substituto, uma vez que ele não foi escolhido pela maioria absoluta dos órgãos executivos de direção dos partidos coligados.
Não houve apresentação de contrarrazões.
É o relatório do necessário. Passo a opinar.
Compulsando-se os autos, observa-se que o caso em disceptação comporta duas abordagens: uma de cunho estritamente legal e outra de caráter amplo, compatibilizando-se a lei com os princípios constitucionais.
Dispõe o art. 13, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.504/97:
Art. 13. É facultado ao partido ou coligação substituir candidato que for considerado inelegível, renunciar ou falecer após o termo final do prazo do registro ou, ainda, tiver seu registro indeferido ou cancelado.
§ 1º A escolha do substituto far-se-á na forma estabelecida no estatuto do partido a que pertencer o substituído, e o registro deverá ser requerido até 10 (dez) dias contados do fato ou da notificação do partido da decisão judicial que deu origem à substituição. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 2º Nas eleições majoritárias, se o candidato for de coligação, a substituição deverá fazer-se por decisão da maioria absoluta dos órgãos executivos de direção dos partidos coligados, podendo o substituto ser filiado a qualquer partido dela integrante, desde que o partido ao qual pertencia o substituído renuncie ao direito de preferência.
Registre-se que, no silêncio da Lei das Eleições, a Resolução TSE nº 23.373/2011 estabelece, em seu artigo 67, §2º, que, nas eleições majoritárias, essa substituição pode ser requerida a qualquer tempo antes do pleito, observado o prazo previsto no §1º do dispositivo citado.
Às fls. 14/27, foram juntadas a este caderno processual as atas de todos os partidos que compõem a Coligação A Esperança Voltou, por meio das quais deliberou-se sobre a escolha do nome da recorrida para substituir a vaga deixada pelo candidato renunciante, qual seja Carlos Antônio Araújo de Oliveira.
Consta, inclusive, à fl. 35, a renuncia expressa do Partido Democratas – DEM, ao qual pertencia o substituído, quanto ao seu direito de preferência para a indicação do candidato substituto, conforme preceitua a parte final do §2º citado.
Nesse norte, sob o aspecto normativo stricto sensu, o pedido de substituição em análise não encontra óbice na legislação vigente. Mesmo porque, não cabe ao recorrente discutir a validade das atas de escolha do substituto, uma vez que é assunto eminentemente interna corporis, porquanto só interessa aos partidos integrantes da coligação, não havendo, até o momento, qualquer impugnação de validade das atas por parte de qualquer deles.
Todavia, cumpre, ainda, perscrutar o viés constitucional e ético-moral da conduta perpetrada pelos recorridos.
No caso em exame, o pedido de registro de candidatura originário foi indeferido por sentença, sendo interposto recurso a esse Regional, julgado no dia 27/08 e, posteriormente, à Corte Superior, com decisão monocrática no dia 05 de outubro. Eis que, então, a menos de vinte e quatro horas do pleito, o candidato substituído renuncia à sua candidatura, abrindo caminho ao presente requerimento de substituição.
Da simples leitura da norma aplicável à espécie, pode-se afirmar que a conduta encontra guarida na legalidade. Entretanto, tendo por o neoconstitucionalismo, no qual deve preponderar o Estado Constitucional de Direito, sobrepondo-se ao Estado Legal de Direito, a dinâmica do sistema jurídico não exige apenas a legalidade, mas, sobretudo, legitimidade e interpretação da norma nos termos dos princípios e pressupostos Constitucionais.
Nesse sentido, é importante ver o que diz o parágrafo único do Art. 1º da Constituição, in verbis:
"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição"
Desse trecho em especial, é importante frisar que a soberania popular tem como característica central a indelegabilidade. Nesse sentido, não existe possibilidade de o povo, titular do poder de escolha de seus representantes, delegar a outrem essa escolha. Dessa forma, o povo não pode ser persuadido a votar em um candidato quando não é aquele que o representará. Tal situação fere de morte toda a base do ordenamento jurídico democrático.
A interpretação normativa deve estar alicerçada nos princípios da boa-fé, razoabilidade e proporcionalidade. Um candidato após ter o seu pedido de registro de candidatura indeferido em segundo grau, concorre por conta e risco. Se, mesmo conhecedor do risco, ele ousa manter sua candidatura até as vésperas da eleição para que então possa renunciar, levando o povo a votar erroneamente quanto à pessoa, ele fere a boa-fé objetiva, agindo de forma contraditória, no que pode ser chamado de "venire contra factum proprium" .
Ocorre que, no caso sob foco, o candidato renunciante, cônscio da grande chance de ver seu derradeiro recurso eleitoral desprovido, postergou ao máximo possível o momento em que comunicaria a sua renúncia – certamente arquitetada muitos dias, ou até meses, antes -, para que, quando não sobrasse mais qualquer tempo de realizar campanha e de comunicar os eleitores da referida mudança, pudesse promovê-la na calada da noite, com a intenção óbvia de transferir votos, por ele próprio angariados, à esposa.
Ressalte-se que, in casu, a renúncia ocorreu em data quando não mais podia ser feito comício. Ademais, apesar de pertencer a partido diverso (PSB), o substituto concorreu com a foto e o número (15) do candidato substituído.
Salta aos olhos a má-fé de ambos os candidatos. Salta aos olhos o abuso de direito – se interpretado, equivocada e literalmente, o já mencionado art. 13, § 1º, da Lei nº 9.504/97. No caso em apreço, a intenção de ludibriar o eleitorado é escancarada, tendo em vista que o fato que deu origem à substituição não foi alheio à vontade dos sujeitos responsáveis pela conduta.
Ao contrário, consistindo a renúncia em ato de disposição da própria vontade, poderia o candidato renunciante tê-la feito muito antes, porém deixou para comunicá-la à Justiça Eleitoral horas antes do pleito, tendo sido recebido eletronicamente o pedido de substituição às 09:24h do dia 06.10.2012, de forma a inviabilizar o embate político entre os candidatos, eliminando, também, a possibilidade de informar ao eleitorado cajazeirense sobre o ocorrido.
Há poucos dias, em caso análogo, o TRE-SP assim se pronunciou:
O ato de burla à lei que foi perpetrado na calada da noite ofende o Estado Democrático e Social de Direito e os princípios de regência do Microssistema Eleitoral.
(¿)
A renúncia da candidatura com pedido de substituição a 12 horas antes do pleito acrescida do pleno conhecimento de que a candidatura era contrária à lei caracteriza má-fé, com intuito de induzir o eleitor a erro, o que afronta os artigos 1º, parágrafo único, e 14 da Constituição da República. Este fato foi depreendido pelo juízo de primeiro grau que pontuou: "Eventual renúncia e substituição de candidatura no início da noite da véspera das eleições não podem ser admitidas com a finalidade de permitir que candidato inelegível transfira votos que receberá deslealmente em favor de outro candidato, cuja candidatura não será tempestivamente divulgada ao povo, sobretudo em municípios pequenos como o Euclides da Cunha Paulista" (fls. 66).
A renúncia e substituição de candidatura, nos exatos termos do caso concreto, é ilegítima e inválida, vez que ofende o princípio constitucional da soberania popular, previsto no art. 1º, parágrafo único, que se expressa pelo voto. Este princípio constitucional da soberania popular, que exige o pleno conhecimento dos eleitores para o válido exercício do direito ao voto.
O sistema jurídico não pode permitir manobra política com o intuito de induzir o eleitor a erro pela ausência da devida informação, que é inerente ao direito eleitoral.
De outra feita, a aplicação da norma eleitoral deve observar os princípios da lisura e legitimidade das eleições. (TRE-SP, RE 586-68, Rel. Juiz Paulo Hamilton, publicado em sessão de 30.10.2012)
Nesse norte, harmonizando os dispositivos legais aplicáveis à espécie aos princípios da boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade e da soberania popular, na análise do caso concreto, entende este órgão ministerial que deve ser acolhida a alegação de fraude eleitoral suscitada pelo recorrente.
Diante do exposto, o Ministério Público Eleitoral se manifesta pelo provimento do recurso, para indeferir o pedido de substituição.
João Pessoa, 26 de novembro de 2012.
YORDAN MOREIRA DELGADO
Procurador Regional Eleitoral
DIÁRIO DO SERTÃO com Blog de Josival Pereira
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