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Damião Fernandes

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Crônicas sobre meu Pai

11/08/2012 às 23h10

Meu pai acordou cedo naquela manhã, como era seu costume. Ele sempre sustentou minha mãe, a mim e aos meus irmãos com o digno suor do seu trabalho. E quanto suor. Um trabalho que lhe exigia desde as primeiras horas do dia. Meu pai sempre trabalhou em atividades duras e cansativas, mas sempre com dignidade: já trabalhou com servente em grandes e pequenas construções, trabalhou em atividades do campo, brocando, plantando e/ou catando algodão.

Meu pai não teve oportunidade de se tornar-se letrado ou um homem dos saberes. Ele nunca aprendeu a ler e nem a escrever. A sabedoria que hoje ele traz, foi conquistando através da arte da vida, da resignação em entregar-se e doar-se inteiramente por amor aos outros e pelos seus. É sábio aquele que não guarda nada de sí para sí mesmo, mas entrega tudo, doa tudo, se faz tudo por aqueles que ele ama. José Mariano, foi bem assim que ele se fez.

Como eu estava “dizendo”, meu pai acordou cedo naquela manhã. Preparou o café e imediatamente pediu que minha mãe me arrumasse, pois naquela manhã nós íamos até a rua. Minha mãe foi então me acordar e disse-me o que meu pai e eu iríamos fazer. Meu coração quase saltou do coração por tanta alegria: Eu iria á rua com meu pai. Era a primeira vez que fazia isso. Tudo isso, para um garoto de apenas 10 anos era quase como que ir conhecer a Disney ou assistir a todos os episódios dos desenhos de He-Man. Minha mãe me arrumou direitinho; deu-me banho e me vestiu uma camiseta e um short. E lá fomos nós.

Meu pai, naquela manhã, estava me levando para tomar umas daquelas importantes vacina, que quando somos pequenos precisamos tomar. Confesso que não me lembro bem qual tenha sido, mas uma coisa eu sei: Ela doeu tanto que eu quase não parava de chorar. E chorava incontrolavelmente. E era meu pai quem me dizia: Não chore, vai passar, não chore… Meu Deus, como doía meu braço. Eu não conseguia move-lo

Foi nesta experiência, ao mesmo tempo de dor e alegria, que aconteceu aquilo que nunca mais seria extinto da minha memória. Uma experiência que me modificou e que influiu profundamente no homem que sou hoje. Recordo-me com imensa saudade e carinho. Até hoje não consigo entender e nem mesmo explicar porque essa imagem nunca me saiu da cabeça, nem do coração. Meu pai, vendo que eu estava em prantos, por causa da imensa dor provocada pela vacina, me tomou nos braços e foi me levando estrada a fora. Um maravilhamento tocou conta de mim. Vi-me possuído por uma alegria indescritível.

Estava extasiado com tudo o que eu estava vendo. Eram as mesmas coisas que antes eu já tinha visto, mas que agora estando em outra posição, num outro lugar, as coisas pareciam novas e com novo brilho. Dos braços do meu Pai, o que antes me parecia grande, tornava-se pequeno e o que me parecia pequeno e quase invisível, saltavam aos meus olhos vivos e fortes. Dos braços do pai, a visão que era turva, torna-se límpida e desanuviada.

Não me recordo ao certo até onde meu pai me carregou nos braços, e acho que não preciso saber. O que era necessário saber e ficar enxertado na minha memória e na minha vida é que meu Pai me tomou nos braços e isso mudou completamente minha vida, minha história. Uma criança que é tomada com profunda ternura e amor nos braços de seu pai, ela nunca mais será a mesma. Sua história muda. Daqui em diante, não foi tão sofrido entender e experimentar, no dia-a-dia da minha vida, que Deus é Pai e que se esconde numa sacralidade nos gestos humanos do meu Pai.

[…]

"Lembro-me que já era noite. Uma daquelas noites que tinha tudo para ser igual a todas a outras. Mas, a atitude de um homem contribuiu decididamente para aquela noite se torna memorável, portanto, sagrada. A sair para missa, como de costume, sempre pedia a benção e dava um beijo em minha mãe. Fiz isso mais uma vez, sacramentalmente. Tudo parecia correr tradicionalmente como de costume. De repente, meu Pai me olhou e disse: E beijo para mim, não tem?. Confesso que fiquei desconcertado, pois não era algo natural dele, meu pai sempre foi tímido e calado – tal pai,tal filho – Parei por um momento, olhei pra ele e não resisti, agarrei seu pescoço e lhe dei um enorme e demorado beijo e depois o joguei no chão e caí por cima. Rolamos sala a dentro. Naquela noite me senti uma criança profundamente amada e percebi que tinha uma Pai sincero, singelo, sensível e também necessitado de amor. Daquela noite em diante muitos abraços e outros beijos existiram. Ate hoje perdura o olhar.

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Damião Fernandes

Damião Fernandes

Damião Fernandes. Poeta. Escritor e Professor Universitário. Graduado em Filosofia. Pós Graduado em Filosofia da Educação. Mestre e Doutorando em Educação pela (UFPB). Autor do livro: COISAS COMUNS: o sagrado que abriga dentro. (Penalux, 2014).

Contato: [email protected]

Damião Fernandes

Damião Fernandes

Damião Fernandes. Poeta. Escritor e Professor Universitário. Graduado em Filosofia. Pós Graduado em Filosofia da Educação. Mestre e Doutorando em Educação pela (UFPB). Autor do livro: COISAS COMUNS: o sagrado que abriga dentro. (Penalux, 2014).

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