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Edivan Rodrigues

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Leitura proibida

01/12/2009 às 10h20

Por Francisco Cartaxo

Naquele tempo a Igreja Católica Apostólica Romana, zelosa na administração do sacramento da comunhão, adotava a confissão individual como pré-requisito. O pecador, contrito, ajoelhado no confessionário, o padre sentado, meio encoberto pelas frestas das taliscas, a escutar o rosário de malfetorias praticadas contra as leis de Deus. Os pecados, mortais ou veniais, graves ou não, deviam ser declinados ao padre, que os tomava em segredo total. Assim exigia o ritual como etapa indispensável para concretizar-se, mais tarde, o ato de comungar, simbólico recebimento da hóstia das mãos do celebrante da missa. Antes, porém, era necessário que o pecador cumprisse a penitência aplicada, resultante da avaliação feita na hora pelo confessor, ali mesmo na igreja, coroando o poderoso gesto de absolver o infrator. A penitência variava em função da gravidade dos erros cometidos, de acordo com a percepção do confessor que tinha em mãos o poder de aplicar a pena. Quase sempre uma fieira de Ave Maria e Padre Nosso.

E os pecados? Na adolescência, pouco variavam, repetidos sempre, embora acompanhados do propósito de evitá-los. Aluno do então Ginásio Salesiano Padre Rolim, certa vez compareci ao confessionário com um pecado diferente. Com a humildade própria do pecador, disse ao padre que lera um livro proibido. O pior, padre, é que gostei e não me sinto com remorso. O confessor (teria sido padre Manuel, do Oratório?) ardendo de curiosidade, perguntou: que livro você leu, meu filho? “Olhai os lírios do campo”, de Érico Veríssimo, respondi. O padre fez indagações, tentando descobrir possíveis conseqüências perniciosas provocadas pela leitura, atendidas todas com a maior sinceridade. Para minha aflição pecaminosa, as palavras do padre foram um lenitivo. Não me lembro exatamente quais foram, mas, passados tantos anos, penso que ele riu de minha ingenuidade, tal era a irrelevância do pecado.

Fiz leitura recente de “Olhai os lírios do campo”. Por que proibir? Talvez porque o autor tenha tido passagem rápida pelo comunismo. Nada se encontra de mais grave no desenrolar da enviesada história de amor entre Eugênio e Olívia, os personagens principais da trama contextualizada em um Porto Alegre, o Brasil às voltas com as mudanças proporcionadas pela revolução de 30, movimento que contou com a destacada participação dos gaúchos. Para uns, o começo do processo de modernização brasileiro, incorporado ao romance. Nesse contexto se insere a trajetória de Eugênio, o protagonista do romance de Érico Veríssimo, um médico de origem pobre, cheio de sonhos e de dúvidas quanto ao amor, quanto às maneiras de exercer a profissão: sacerdócio ou meio de ganhar dinheiro?

O livro, publicado pela primeira vez no longínquo 1938, é o mais lido da vasta obra de Érico Veríssimo. Ao reler, dei boas risadas da ingenuidade de listá-lo entre as leituras proibidas. Ainda bem que o padre-confessor usou seu arbítrio e me absolveu de tão insignificante pecado.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

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Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

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