O Insubordinado Feminino…
Por Nadja Claudino
A entrada da mulher no bando de cangaceiros se constitui num dos eventos mais polêmicos do cangaço. Alguns autores atribuem a entrada das mulheres à decadência do bando de Lampião, fato que corrobora com a opinião de Padre Cícero Romão Batista, que foi contemporâneo do rei dos cangaceiros e disse: “Lampião será invencível enquanto não houver mulher no bando”. E não era só o “santo” do Juazeiro que nutria essa opinião, mas Sinhô Pereira, aquele que o introduziu no cangaço, sendo seu chefe até 1922, também pensava assim. Ele foi categórico ao afirmar que jamais levaria mulheres para o cangaço, desaprovando veementemente a escolha de Lampião em aceitar Maria Bonita no bando.
Lampião era uma figura contraditória sob todos os aspectos, homem de vida errante, que se apaixona e leva para junto do seu grupo uma fêmea, criatura fraca, que talvez não se adaptasse às caminhadas estafantes no meio da caatinga, às lutas contra as volantes, à fome e sede muitas vezes companheiras desses grupos de homiziados. O ato de Lampião abriu um precedente e outros cangaceiros passaram a andar acompanhado por mulheres, como foi o caso de Corisco, que viveu e morreu ao lado de Dadá.
Em 1930, Lampião conhece Maria Déia, apelidada pelas volantes como Maria Bonita. Maria era mulher do sapateiro José Neném e vivia uma relação bastante conturbada com o marido. Lampião sempre passava na fazenda dos pais de Maria e foi lá que a conheceu.
Para uma mulher sertaneja, um cangaceiro era uma espécie de galã. A impressão que causavam era a de serem homens românticos e diferiam bastante dos outros homens por elas conhecidos. No imaginário feminino sertanejo da época, os cangaceiros era um ser que sempre estava vivendo uma aventura, podiam resgatá-las daquele marasmo em que viviam. Eles andavam perfumados, os dedos carregados de anéis de ouro, encarnavam uma aparente riqueza, o luxo, algo escasso naqueles sertões. E foram esses fatores que levaram a mulher do sapateiro a pedir a sua mãe para quando Lampião chegasse, ela fosse avisada. A mulher queria conhecer não um cangaceiro, mas o chefe, o famoso rei do cangaço.
O encontro dos dois se deu quando Lampião estava com 33 anos e Maria tinha pouco mais de 20. Lampião, assim que lhe conheceu se apaixonou. Nesse momento, tomou a decisão de levá-la consigo, quebrando desta forma uma regra do cangaço e indo contra os conselhos do Padre Cícero e do seu ex-chefe Sinhô Pereira. O guerreiro queria em parte imitar a vida das pessoas comuns, queria uma companheira.
Quando Maria entra para o cangaço, Lampião comunica aos seus homens que quem tivesse mulher, namorada ou amasia poderia daquele dia em diante viver com elas no bando. Foi com grande espanto que a imprensa noticiou a entrada das mulheres no cangaço, os soldados de uma volante ao entrou em combate com o grupo de Lampião ficaram muito surpresos quando notaram a presença de mulheres durante os combates. Afinal de contas, nunca se teve notícias de semelhante coisa nos bandos precursores do bando de Lampião. As mulheres dos cangaceiros passaram a mexer com o imaginário do povo. Alguns achavam que elas viviam desfrutando de muito luxo e a beleza das cangaceiras e suas artes de sedução eram cantadas nas feiras pelos violeiros. Elas também povoavam a mente dos soldados das diversas volantes. Inclusive foram os soldados que começaram a chamar a mulher de Lampião de Maria Bonita. No bando ela era conhecida como Maria Déia ou Maria de Lampião.
Maria Bonita, Dadá, Sila, Enedina e outras mulheres entraram na nossa história como protagonistas. O que seria de Lampião sem Maria Bonita ou Corisco sem Dadá? Sem as mulheres o cangaço talvez não tivesse o significado que tem. A mulher pagou um alto preço por essa ousadia. Quando a volante de João Bezerra entra em Angicos, Maria Bonita e Enedina são executadas com os outros cangaceiros. Depois de mortas foram decapitadas e suas cabeças percorreram várias cidades do sertão. O Estado, através da violência instituída, massacrou as mulheres que ousaram ser contra a ordem social vigente. Mas Maria Bonita continuará sendo um mito e ninguém apagará.
Nadja Claudino é aluna de História da UFCG, pesquisadora do Cangaço e membro do Conselho Editorial da Revista Acauã.
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