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Francisco Cartaxo

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Traição e massacre na ditadura (3)

29/10/2017 às 09h55

– Por que você não escreve sobre temas atuais, não fala da ladroagem dospolíticos? Deixe de desenterrar cadáveres sepultados há mais de quarenta anos…

Assim, dessa forma,um amigo me censurou. Discordei. Estes meus escritos não têm cheiro de mofo. O assunto é atual. Uma olhadanas redes sociais na internet ou na mídia convencionalrevela oquanto existe de gente saudosa dos tempos da ditadura. Apure o ouvido,eu lhe disse,e escute os suspiros pela volta de métodos violentos de reprimir, de administrar com censura,deimpor restrições rigorosas, incluindo a presença física de censores nas redações de jornais, rádio e televisão. Por isso, relembro o lado obscuro da ditadura. Impossível esquecer.

Portanto, o tema é atual e oportuno.

São fatos emblemáticos de um tempo sombrio, que está em carne viva no livro-reportagem Massacre da Granja São Bento: a história de como um traidor e um torturador se aliaram em um dos crimes mais brutais da ditadura militar no Brasil. Não se trata ali do extermínio de traficantes de drogas por rivais ou pela polícia. Ou de execução de policiais por bandidos.Ou o contrário. O jornalista Luiz Felipe Campos disseca processos escusos utilizados à sombra do regime militar, a partir de um massacre real,planejado e protagonizado pelo delegado Sergio Paranhos Fleury.

O jovem Luiz Camposdedicou alguns de seus 28 anos à pesquisa documental, entrevistou personagens e produziu excelente reconstituição dos fatos, usando sedutora narrativa que faz lembrar A sangue frio, de Truman Capote. Sem ranço acadêmico, dá uma aula de história recente do Brasil, que merece ser disseminada para incentivar o debate em torno dos males da ditadura e de sua inevitável contrapartida: a contestação armada levada a cabo por jovens – ingênuos e idealistas -, em desesperada tentativa de mudar o regime militar.Contestação armada, aliás, descolada do povo pela ausência de condições para desenvolver ação política.

Vamos ao massacre de 1973.

O delegado Sergio Fleury volta ao Recife para comandar o morticínio. Cabo Anselmo, agente-duplo, tinha nas mãos todos os dados acerca dos terroristas. Faltava apenas executar o plano com a ajuda da polícia estadual.Não houve enfrentamento. Os guerrilheiros urbanos não fizeram assaltos a bancos ou sequestros, nem chegaram a constituir um foco guerrilheiro. Foi a primeira célula guerrilheira do Brasil a acabar sem jamais ter disparado um tiro sequer, assegura Luiz Campos.

Foi tudo pura encenação.

Na verdade, ocorreu uma caçada aos terroristas. O primeiro a ser preso foi José Manuel da Silva, rebocado de Toritama para o Recife, em 7 de janeiro de 1973. No dia seguinte, prenderam, no centro do Recife,Eudaldo Gomes da Silva, e, no local de trabalho, Jarbas Pereira Marques. Solidad Barrette Pauline Reichstul foram presas e agredidas por cinco homens armadosnuma boutique em Boa Viagem. Um dos policiais acertou Pauline com uma coronhada que rachou seu crânio e a fez urinar. Morreu na hora, mas continuou a ser espancada, informa o narrador. O corpo de Evaldo Luiz Ferreira foi encontrado em Olinda, com mais de 20 perfurações. Os corpos foram levados à chácara São Bento, onde os homens da lei armaram a cena do crime… simulando resistência dos terroristas.

No dia 11 de janeiro de 1973, osjornais impressos, reprisando o Jornal Nacional, da Globo, exibiram os seis corpos como troféus do enterro simbólico da Vanguarda Popular Revolucionária.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim foi secretário de planejamento do governo de Ivan Bichara, secretário-adjunto da fazenda de Pernambuco – governo de Miguel Arraes. É escritor, filiado à UBE/PE e membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Autor de, entre outros livros, Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras no cerco ao padre Cícero.

Contato: [email protected]

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Francisco Sales Cartaxo Rolim foi secretário de planejamento do governo de Ivan Bichara, secretário-adjunto da fazenda de Pernambuco – governo de Miguel Arraes. É escritor, filiado à UBE/PE e membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Autor de, entre outros livros, Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras no cerco ao padre Cícero.

Contato: [email protected]

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