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Edivan Rodrigues

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Dicionário no banco dos réus

02/03/2012 às 16h37

Esta semana, divulgou-se que o Ministério Público Federal de Uberlândia (MG) moveu ação contra os responsáveis pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. O processo nasceu de queixa de um cigano que considerou como racista e preconceituoso o verbete “cigano” daquele dicionário. Em seu arrazoado, o Procurador conclui por requerer a retirada de circulação daquele livro e, também, uma indenização de R$ 200 mil por dano moral coletivo.

Os ciganos, a gente sabe, são povos nômades de origem indiana, que ao longo de muitos séculos espalharam-se pelo mundo. Na Europa sofreram perseguições étnicas brutais, sobretudo na Alemanha de Hitler, como sucedeu aos judeus. No Brasil os ciganos estão em todas as regiões, conservando o que resta de sua cultura milenar, adaptada aos costumes locais, como fazem os poucos viventes no sertão do Rio do Peixe.

Mas afinal, que diz o Dicionário de Houaiss? Na versão impressa em 2009, o verbete “cigano” registra, entre outras, as seguintes definições: “aquele que tem vida incerta e errante, boêmio; vendedor de quinquilharias, mascate; que faz barganha, que é esperto ao negociar”. Até aí, não vejo nada de racismo. Não li a versão digital, pois a presenteei a minha filha, tradutora, que reside na Alemanha. Mas suponho ser idêntica à impressa. Contudo, em edição anterior, segundo os jornais, o Houaiss definia o povo cigano como “aquele que trapaceia, velhaco, burlador, apegado a dinheiro, agiota, sovina”. Daí o zeloso Procurador Federal retirou o fundamento para enquadrar a Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss na lei anti-racista.

Antônio Houaiss foi intelectual dedicado ao estudo, ao ensino e à divulgação correta da língua portuguesa, tendo organizado projetos dos quais resultaram enciclopédias e dicionários de variadas feições. Escreveu muito acerca da nossa língua e ainda incursionou na crítica literária. Foi pioneiro na tradução para o português do complicado romance “Ulisses”, de James Joyce, obra fundamental para quem alimenta pretensões no mundo da ficção. Essas coisas e muitas outras levaram Houaiss a ser ministro da Cultura e presidente da Academia Brasileira de Letras. Morreu em 1999, um ano antes de concluído seu último grande projeto: justo o dicionário que o Procurador de Uberlândia quer levar ao banco dos réus.

Todavia, Nota conjunta, distribuída pela Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss informa que as termos, supostamente pejorativos, tomados pelo Ministério Público Federal como prova de “intolerância étnica”, já foram retirados do Dicionário. Ufa, então está tudo resolvido, a menos que se insista em punir os responsáveis pelos danos morais aos ciganos. Se isso encontrar guarida na Justiça, cria-se um problemão: como distribuir R$ 200 mil com mais de 600.000 ciganos que vivem no Brasil?

P S – Esta crônica é dedicada ao saudoso Otílio Guimarães, leitor compulsivo, que lá do Céu deve estranhar não mais constar, sob o verbete “cigano”, nos dicionários modernos nenhuma alusão à tropa de burro ou de cavalo ou de jumento…
 

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

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