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Edivan Rodrigues

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O carro e a vida

20/03/2012 às 00h15

Quando atravessava a rua, o cidadão ao ouvir o barulho dos freios mal teve tempo de correr para a calçada. Que susto terrível! O pior foi o grito raivoso:

– Respeite o carro, seu filho da puta!

O motorista logo seguiu seu rumo, enquanto o cidadão quase atropelado se refazia do medo. Medo de morrer. A cena é rigorosamente verdadeira. Ela foi presenciada pelo médico Sabino Filho, que conhece muitos lugares do mundo, onde a gente coloca o pé na faixa de pedestre sem espiar para um lado e outro da rua. Cena real. Eu apenas a adaptei ao meu jeito literário de narrar.

Cenas como essa são inusitadas? O xingamento do motorista, sim. A toda hora, testemunhamos situações semelhantes, com uma diferença: não se escuta o berro desaforado. Pelo menos não se ouve a grosseria do motorista, até pelo hábito de manter fechados os vidros do carro para não desperdiçar um segundo o frescor do ar condicionado… Assim é a cultura brasileira. Na prática, o automóvel torna-se um bem mais importante do que a vida.

Comentei essas coisas com minha filha, Débora, que mora na Alemanha, atribuindo entre as causas da nossa falta de educação o fato de sermos um país jovem, ainda em formação, embora o Brasil se aproxime cada vez mais das grandes potências econômicas do planeta. Débora discordou, estribada na larga experiência de conhecer dezenas de lugares e povos, não só europeus, mas também da África e do Oriente. Ano passado, quando ela esteve no Marrocos, relutou muito em alugar um carro naquela terra estranha. Temia o trânsito caótico, igual ou pior do que o do Recife. Mesmo assim, terminou por locar um veículo. Aí, a surpresa foi enorme! O trânsito por lá é de fato um caos, porém, os motoristas são atenciosos com os outros guiadores e com os pedestres. Outra cultura, meu pai, falou Débora em tom de desânimo, descrente na mudança de conduta dos brasileiros ao volante.

Quando iremos varrer essa chaga de nosso convívio? Quantas gerações ainda se sacrificarão até chegarmos a um estágio razoável de gente civilizada? São milhares de corpos esmagados, milhões de mutilados todos os anos no Brasil, famílias inteiras a amargar as conseqüências dos traumas individuais e coletivas provocados pelo trânsito. E mais, os efeitos colaterais dos acidentes abarrotam de pacientes as emergências de hospitais e clínicas, aumentam o caos na saúde, e exigem astronômicos gastos públicos e particulares. Tudo porque nos comportamos como monstros, irresponsáveis, no comando de máquinas mortíferas em ruas e avenidas das cidades. E nas estradas.

A grande parcela de responsabilidade dessa tragédia brasileira está na falta de educação no trânsito. A cena de abertura desta crônica é o símbolo do que, para a maioria dos brasileiros, representa o automóvel: o meio e o fim, a que se deve respeitar. Somos o resto. A vida um lixo. O carro o dono do pedaço.
 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

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