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Padre Djacy

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A vida no Sertão Paraibano

04/08/2015 às 15h47

Por Padre Djacy Brasileiro

“Se eu tivesse um emprego, como muita gente tem, não deixaria o sertão, por São Paulo de ninguém”, assim cantava o poeta sertanejo Expedito Sobrinho, numa expressão sublime de amor incondicional à região. É uma poesia que ressalta a vida do povo no sertão. Para o referido poeta, para que os sertanejos fossem felizes, só bastariam duas coisas: inverno e emprego.

Mesmo com o avanço da onda da insegurança, da violência, no sertão, por incrível que pareça, e graças a Deus, ainda reina um certo clima de tranquilidade, de paz. A prova está que à tardinha, à noite, as pessoas sentam-se nas calçadas de suas casas, das igrejas, dos bares e nos bancos da praça. Conversa vem, conversa vai. Os adultos conversam sobre seu passado, seus problemas, os jovens paqueram, namoram, traçam planos para o futuro, e as crianças brincam, se divertem, correm alegremente. E para encantar, embelezar, deixar mais romântica a noite sertaneja, há um céu limpo, estrelado, e uma lua linda, linda de morrer. Não era por acaso que Luiz Gonzaga cantava: “não há, ó gente, ó não, luar como esse do sertão…”. A noite sertaneja é uma poesia.

Após o almoço, tradicionalmente os sertanejos armam uma redinha para dormir um pouquinho. Balanço vem, balanço vai. E o sono vem. É uma dormida sossegada, apesar do calor imenso. Ah, como é gostosa a dormida no sertão, seja de dia ou à noite. Na madrugada, a gente ouve o solene cantar do galo.

Ah, não posso deixar de falar um pouco sobre a nossa comida. Faz parte do sagrado cardápio dos sertanejos: bolo de caco ou “orelha de pau”, rubacão, cuscuz, angu com leite, rapadura, doce de leite etc. Sem falar no saboroso café feito na hora, bem quentinho. Amo a comida do meu sertão.  Adoro o meu bolinho de caco, meu rubacão, meu tradicional café com leite. Não troco a comida do meu sertão por comida chique, sofisticada, enfeitada, de ninguém.

No meu sertão paraibano, tudo é simples. Aqui impera o reino da simplicidade, da humildade. Os sertanejos se satisfazem com o pouco que têm. Não vivem se maldizendo, reclamando da vida, em clima de desespero. Apesar das limitações socioeconômicas, impera o bom humor. Os sertanejos são sorridentes, alegres. Nunca estão com a cara feia, amarrada, melancólica. Não perdem a alegria do viver nem a esperança de um dia melhor. Aliás, a esperança em Deus, num futuro melhor, é sua marca registrada. Sempre falam: Se Deus quiser, se Deus quiser…!

Se você chega à casa do sertanejo, ouve logo o tradicional e estridente grito de saudação: pode entrar, entre. Fique à vontade! A casa é pobre, mas o coração é grande. De repente vem a ordem: sente-se. E benevolentemente pergunta: quer água? Vou fazer um cafezinho. Enquanto a mulher faz o café ou o chá, conversa vem, conversa vai. O diálogo é em torno de tudo. A conversa gira em torno dos problemas da comunidade, da família, passando pela politica local, religião etc. O diálogo amistoso, fraterno, vai longe. Tudo na linguagem que lhes é peculiar. Nada de formalidade linguística. Aliás, a simplicidade linguística é alma do entendimento mútuo. Na saída, ainda diz: espere para almoçar, o almoço está pronto. É um convite verdadeiro, do fundo do coração. Nada de hipocrisia!

Na zona rural, as pessoas humildes, simples, em suas casinhas tão simplesinha, desprovidas de quaisquer estéticas na sua arquitetura, vivem tranquilamente, sem o estresse do dia a dia. Nada têm, a não ser o necessário para viver. E o necessário lhes basta. Não lamentam, não murmuram. Quando chegam à noite, dormem em paz. Dormem felizes por saber que no seguinte não terão dívidas a pagar, não irão chegar faturas de cartões de créditos, não terão que correr para cobrir cheques, sabem que não irão receber notificação judicial para pagar o que deve ou, senão,  ninguém vai aparecer na sua porta para lhes cobrar dívidas. O seu sono é de paz.

Uma das características mais nobres, mais sublime, mais cristã, presente no coração dos sertanejos chama-se solidariedade. Os sertanejos são muito solidários. E são solidários em todas as circunstancias adversas ou não da vida: na seca, no inverno, na abundancia, na escassez, na alegria, na tristeza, na dor, no desespero, na aflição, na doença, na morte e no luto. Nesses momentos, podemos sempre contar com a mão amiga dos irmãos conterrâneos.

Aqui no meu sertão, quando alguém adoece, todos se preocupam, rezam e fazem até promessa para a pessoa melhorar. Caso morra, acontece coisa linda, emocionante. A casa fica lotada. As pessoas vêm consolar e dar força à família. As vizinhas ou amigas tomam conta da cozinha. Umas fazem chá, outras café, outras ficam administrando tudo o que acontecem na casa. A calçada e’ cheia. Não falta gente. Todos lamentam, choram. A conversa gira em torno do finado. Ah, ia esquecendo, no velório, não faltam água, café, chá, bolacha, bolo.

No meu sertão querido e abençoado, o enterro de qualquer sertanejo é acompanhado por uma multidão. Primeiro a missa, depois a caminhada até o cemitério. O caixão é levado pelas próprias pessoas. Nessa caminhada fúnebre, estão crianças, jovens, idosos. Mensagens, lágrimas, tristeza, reza e hinos religiosos fazem parte inerente do último adeus. Todos dão adeus ao falecido, como a dizer: até o nosso reencontro definitivo.

No meu sertão paraibano, a praga do individualismo não fala tão forte. As pessoas ainda se preocupam com as outras. Pensam no bem e na felicidade dos outros.

Neste recanto paraibano, seco, torrado, o orgulho e a vaidade, a arrogância, prepotência não são marcas registradas no coração bondoso dos sertanejos. A humildade é sua característica principal. Comportam-se humildemente diante do padre, do doutor, do prefeito ou diante de quaisquer outras pessoas. São humildes demais.

Aqui, os sertanejos, apesar das dificuldades, não perdem a alegria do viver. São alegres, sorridentes, bem humorados. Gostam de contar estórias cômicas. Nunca estão com a cara amarrada, feia. Parece ser coisa de Deus. Sempre dizem: o importante e viver.

Onde moro, a fé cristã faz parte do cotidiano dos sertanejos. Acreditam incondicionalmente num Deus pai que cuida de todos. Vivem sua fé de maneira simples. A devoção faz parte do seu itinerário religioso. Rezam, cantam, participam da missa ou do culto (caso sejam evangélicos), de procissões e fazem promessas aos seus santos preferidos. Têm um amor danado aos seus líderes religiosos. Aliás, antigamente, havia um adágio que dizia: “no sertão, em tempo de seca, só escapam duas coisas: padre e jumento”. Sabem por quê? Porque jumento come de tudo, e o padre, porque o povo não deixa morrer de fome.

Os sertanejos, diria da minha Paraíba, quando vão para outros recantos deste país, levam na mala do coração três coisas: esperança, saudades e o desejo de ainda voltar. Mesmo distante da terrinha ensolarada, não esquecem suas raízes nem perdem sua identidade regional.

Aos queridos sertanejos que aqui estão, meu respeito, minha admiração, carinho e apoio, e aos que vivem em outras regiões deste Brasil, tantas vezes humilhados, explorados, dando um duro para viver, distante de tudo e de todos, esta canção de Luiz Gonzaga:  “faz pena o nortista, tão forte e tão bravo, viver como escravo no Norte e no Sul”.

 
E-mail: [email protected]
Twitter: @padredjacy

Padre Djacy

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Pároco da paróquia Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, da cidade de Pedra Branca, no Vale do Piancó, Diocese de Cajazeiras, Paraíba.

Contato: [email protected]

Padre Djacy

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