BOMBA
Por Cleanto Beltrão de Farias¹ – Palavra tem sonoridade que se ajusta feito luva ao seu significado. A que en-cima este ensaio é feita de sílabas que expressam externalidade – bom (buuum) + ba (baaá). Ou seja, todo o ar inspirado é vigorosamente expelido. Suscita som grave, estrondo, explosão, chispa, deslocamento violento de gases, ondas de choque, res-sonância, arremesso de estilhaços, fogo, demolição, destruição, sangue e morte. Buuum baaá! Mas, bomba pode ser também um símbolo ou metáfora.
Bomba é ódio contido em artefato de aço, comprimido, pisado, socado, espremido, contraído e prensado ao máximo, feito para ferir, machucar, moer, doer, arrebentar, estrangular, estraçalhar, esquartejar, matar, dizimar. Quanto mais estrago fizer, melhor. Bomba é fazer o outro sofrer sem dó ou compaixão. É choro, é vingan-ça, é desforra, é loucura. Bomba é luta, desmantelo, desmonte e caos, é guerra, ameaça e terror. É força bruta e domínio. É armamento. É tecnologia. É farda. Bom-ba é armadilha e surpresa. Bomba é medo, tristeza e luto. Bomba é opressão.
A malvadez, o perigo e a gravidade latentes do substantivo bomba apenas vie-ram à tona e ganharam corpo com os grandes conflitos armados da modernidade. Não distantes de nós, no decorrer da Segunda Guerra grande parte da população civil da Europa experimentou na carne os efeitos deletérios da bomba. Londres, co-mo exemplo, foi atacada vinte e oito mil vezes pela Luftwaffe, entre 1940-1941, por meio das blitzkriegs, ou guerras relâmpago movidas pelos nazistas. Em 14 de outu-bro de 1940, a força aérea nazista fez um desses grandes ataques, levando morte e destruição à capital britânica. Conta-se que na noite desse dia, por volta das 20:00 horas, as sirenes começaram a tocar, obstinadamente. A cidade, nas escuras, ouvia o ronco dos bombardeiros se aproximando, acompanhado dos estrondos e pipocos das baterias antiaéreas. Muita gente correndo procurando proteção. Grande parte da população londrina, por insuficiência de abrigos antiaéreos, buscava nessas horas as estações do metrô, por acreditar que estaria protegida a dez metros de profundi-dade. Os túneis ficavam lotados. As primeiras bombas atingiram os bairros, pulveri-zando casas e edifícios. Muitos gritos se ouviam. Inesperadamente, uma bomba é lançada na avenida central, em frente da estação Balham, abrindo uma cratera de dezoito metros de diâmetro e tragando um daqueles conhecidos ônibus de dois an-dares. Buuuum baaaaá! Das dezenas de pessoas que corriam naquele momento para a estação do metrô, setenta delas foram fulminadas no local. O cenário era de destruição e desolação, como de toda a guerra.
Pois bem, e o que dizer agora dos habitantes de Colônia, cidade alemã onde foram jogadas trinta e cinco toneladas de bombas pelos aliados, no decorrer da Se-gunda Guerra? E como teria se comportado a população civil de Hiroshima e Na-gasaki nos momentos da detonação das duas bombas atômicas, em 1945, que cei-fou mais de cem mil vidas num só segundo?
Essas narrativas, aprimoram o nosso senso de bomba e nos ajudam a refletir sobre o perigo que ela representa na atualidade. Uma evidência disso é a guerra movida pela OTAN contra a Rússia, na Ucrânia, posto que qualquer ameaça à segurança Essas narrativas, aprimoram o nosso senso de bomba e nos ajudam a refletir sobre o perigo que ela representa na atualidade. Uma evidência disso é a guerra movida pela OTAN contra a Rússia, na Ucrânia, posto que qualquer ameaça à segurança das fronteiras dessa superpotência militar, por parte do Império em declínio, será respondida com bomba – buuuum baaaá – talvez uma só, abrindo as portas para a entrada triunfal do armagedon, com choro e ranger de dentes.
Contudo, seleto leitor, o sentido metafórico de bomba nos transporta para o outro significado do termo. Quando dizemos que vivemos num tempo bomba, todos interpretarão como um tempo de perigo, violento e explosivo. Da mesma forma, quando declaramos que o Brasil bombou nas redes de comunicação nesses últi-mos quatro anos, estamos afirmando que o nosso país ganhou destaque, chamou a atenção de radiouvintes, telespectadores e internautas do mundo inteiro, em razão da exposição a ele concedida pelo até então nosso Presidente da República. E se completássemos indicando que Jair Messias Bolsonaro é uma bomba, o que estarí-amos pretendendo dizer?
Inicialmente, nesses quatro anos derradeiros nenhum outro substantivo definiu tão bem Bolsonaro quanta a palavra bomba, na sua completude e integralidade. Nem mesmo o somatório de todos os termos utilizados nos meios de comunicação do Brasil e do exterior foi capaz de classificar ou enquadrar o nosso ex-presidente, pelo que ele foi, pelo que ele fez e o que ele é. Isto por conta de alguma genialida-de? Coisa nenhuma! Mito? Mentiroso? Golpista? Entreguista? Ex capitão? Milicia-no? Covarde? Bandido? Quadrilheiro? Corrupto? Fascista? Nazista? Terrorista? Ultradireitista? Genocida? Traidor? Fujão? Psicopata? Assassino? Extremista? Ino-minável? Vagabundo? Rude? Louco? Despreparado? Gênio do mal? Nada sinteti-za ou qualifica Jair Messias Bolsonaro. Tudo é pouco ou insuficiente para enqua-drá-lo na realidade dos fatos. Isto porque Bolsonaro só pode ser definido pela sua maldade, pela sua capacidade de desagregação e de destruição. Por essa razão ele encarna uma bomba, que explodiu ou está prestes a explodir – buuuum baaaá.
Outra evidência do ser bombástico, que é Bolsonaro, foram os 58,2 milhões de sufrágios – ou 49,1% do eleitorado – por ele obtidos na última eleição, o que reforça ainda mais a sua imagem de homem bomba. Daí o potencial perigo que ele repre-senta para a nossa democracia, nossa paz social, soberania e, sobretudo, nossa integridade territorial. É manifesta a articulação de Bolsonaro e do bolsonarismo com poderosas organizações da extrema direita internacional e sua contribuição para o recrudescimento do nazifascismo em escala planetária. Agregam-se a isso os interesses contrariados com a volta do presidente Lula ao poder. Estes revelam-se incomensuráveis, interna e mundialmente, intensificados pelas mudanças do cená-rio geopolítico, com a gradativa perda da hegemonia dos EUA como superpotência militar e econômica. Tal fato acentua o controle desse grande império sobre os seus “quintais”, dos quais o Brasil historicamente faz parte. Muita cobiça e muitos olhares se voltam para o nosso país na atualidade. Em sendo assim, qualquer mudança desfavorável na biruta político-eleitoral norte-americana poderá ser um desfecho para expor nossa fragilidade e possibilitar o retorno do artefato bolsonarista latente. Importa, por conseguinte, não só a reconstrução do país, mas o fortalecimento das nossas instituições para estabilizar e consolidar a nossa democracia, permanentemente.
Por certo, se Bolsonaro e o bolsonarismo não fossem uma bomba, jamais ha-veríamos de assistir as cenas de horror proporcionadas pela intentona do começo do ano. A esse respeito, Luiz Werneck Vianna, de forma lapidar, compendia o signi-ficado desse episódio, nos termos que valem à pena aqui reproduzir: “O dia 8 de janeiro foi a data da profanação do que havia de sagrado entre os brasileiros no culto de suas tradições e seu projeto de futuro, sempre reiterado de seguir em frente na realização dos ideais civilizatórios de que Brasília, saída das mãos de Oscar Niemeyer e de Lú-cio Costa como projeto sinalizador da utopia brasileira de realizar nos trópicos uma cultura democrática e singular” (VIANNA, Viomundo, 27/01/23). Nunca se assistiu no cenário histórico da brasilidade, nesses quatro anos de mandato do desvairado presidente da república, tamanha afronta ao nosso passado, aos nossos, valores, símbolos e tradições, à nossa paz, estabilidade, segurança, futuro e até mesmo à nossa integridade territorial enquanto nação soberana. Nesses poucos e delonga-dos anos esteve sempre à amostra o acirramento do conflito entre os “dois brasis” que conformam a questão regional brasileira. O mapa de votação do segundo turno deixou muito explícito tal antagonismo e ideais separatistas, subjacentes a este, fo-ram e estão sendo difundidos nas redes sociais.
A passagem de Jair Messias Bolsonaro pelo poder supremo da República deixou um rastro de destruição e de retrocessos de toda ordem, que só uma grande bomba poderia causar. A lista desses danos é por demais conhecida e nem com-portaria aqui fazê-la, por extravasar a moldura deste ensaio. Mas de uma coisa es-tamos certos: a alçada de Bolsonaro aos píncaros do poder pretendeu reinaugurar o que poderíamos chamar de “república dos granfinos”, desta feita caracterizada pelo autoritarismo, despreparo, corrupção e criminalidade desmedidas, montada para beneficiar uma plutocracia ávida por grandes vantagens. Seu maior objetivo foi sus-tar qualquer possibilidade de compartilhamento da riqueza socialmente produzida – desmonte do Estado Social – como vinha acontecendo nos últimos tempos, e pre-servar os privilégios de castas, inclusive do alto oficialato da caserna. Uma república bem articulada com o poderoso movimento conservador ultraliberal internacional e com interesses sub-reptícios de potências estrangeiras. A desfaçatez, a cara-de-pau, a patologia, a excentricidade e a vadiagem de Jair Messias Bolsonaro serviram apenas de correia de transmissão para tamanhos retrocessos. Por tudo isso, Bolso-naro personifica uma bomba, é uma bomba prestes a explodir – buuuum baaaá –, necessitando ser urgentemente desarmada.
1 – Cientista social, mestre e doutor em ciências jurídicas e sociais e presidente do Partido dos Trabalhadores em Cajazeiras – PB.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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