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Cleanto Beltrão de Farias

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Calçadas de Cajazeiras (I)

07/10/2022 às 19h42 • atualizado em 07/10/2022 às 20h03

Coluna de Cleanto Beltrão de Farias

Por Cleanto Beltrão de Farias

Permita-nos, seleto leitor, traçar um diagnóstico da cidade de Cajazeiras a partir de suas calçadas. Sim, calçadas como um agudo problema, a requisitar de cada um de nós, munícipes, reflexões e análises, pesquisas, denúncias e proposições para o seu equacionamento.

Preliminarmente, o problema salta aos olhos de qualquer atento transeunte para o grave perigo representado pelas calçadas de Cajazeiras, bastando para isso empreender uma caminhada pelo passeio público citadino. O problema se manifesta a partir do centro, mas se agudiza à medida que o percurso alcança os bairros. Estes, quase sempre acidentados, exibem ruas ladeadas por calçadas niveladas, no formato de plataformas de superfícies irregulares, o que, além de impedirem a passagem das pessoas, oferecem riscos iminentes de acidentes. Em certos locais os batentes ou desníveis são tamanhos que equivalem a verdadeiros abismos ou precipícios, pelo perigo de morte que representam. Além de obstaculizarem o livre fluxo e mobilidade do passeio público, as calçadas irregulares obrigam os transeuntes a disputarem as ruas com motocicletas, automóveis e demais veículos, o que patenteiam outra modalidade de grave risco.

Como exemplo prático, necessitamos nos deslocar a pé, de nosso domicílio, no Bairro Sol Nascente, até as imediações do CAIC, para reaver o velho Fiat, por imposição de uma passeata da qual participamos. Por cerca de um quilômetro, nu-ma cálida noite de setembro e sem gozar de qualquer brandura do Aracati, cumprimos uma arriscada e cansativa jornada ao andar pelo piso irregular daquelas ruas, porque as calçadas impossibilitavam uma caminhada minimamente segura, pelas razões descritas. Na via mais movimentada, que ladeia a finada Vara do Trabalho, tivemos que disputar o asfalto com carros e motos, sob sério risco de atropelamento. Em similar situação de risco e constrangimento, é comum assistir idosos se deslocando pelas ruas, por serem uma melhor opção do que as sinistras calçadas.

As calçadas de Cajazeiras – e várias de suas praças – estão tomadas por particulares, por mesas e cadeiras, trailers, churrasqueiras, redes de dormir, conjuntos de terraço, barracas, entulhos e mercadorias. Demais, há uma crença generalizada que se revela entre os proprietários e moradores, especialmente dos bairros, de que as calçadas integram o patrimônio do imóvel privado, devendo ser ocupadas e apossadas, criando com isso sérios obstáculos, senão inviabilizando o seu acesso e uso como passeio público. Há registros de casos de proprietários, tanto nas proximidades do centro como em bairros mais remotos, que estenderam seus telhados por sobre suas calçadas, isolando-as do passeio coletivo, num flagrante caso de apropriação indébita do patrimônio público e de permissividade dos poderes constituídos.

Afinal, ouve-se com certa frequência que Cajazeiras é uma cidade onde tudo se permite. Uma sentença que se consagrou e se integrou ao adágio popular local. Será esta uma senha da peculiaridade ad infinitum deste problema e de tantos outros que afligem esta hermosa urbe? Afinal, que nome podemos dar a tudo isto?

Mas, o real sentido da problemática das calçadas irregulares e perigosa de Cajazeiras – importa esclarecer que não é fenômeno exclusivo desta cidade – não está somente na materialização das formas apresentadas ou no risco que oferecem a seus moradores, mas em função do que elas representam ou expressam, jurídica, social e politicamente.

Para a abertura da presente análise, três indagações se colocam como indis-pensáveis: as calçadas são de fato um problema grave, equiparável às questões de emprego e renda, saúde, segurança, habitação, segurança alimentar e educação que afetam seriamente os cajazeirenses na atualidade? Estão a merecer, por isso, uma análise, um debate e uma provocação? Qual a causa deste problema e que solução apresentar?

Pois bem, iniciando a abordagem, as calçadas são parte da via pública, separada e situada em nível mais elevado, limitada da pista de rolamento por meio-fio e não destinada a circulação de veículos, mas voltada ao trânsito de pedestres, podendo ser reservada à instalação de mobiliário, sinalização, vegetação ou outros fins. Por outro lado, passeio compreende parte da calçada livre de qualquer interferência ou obstáculo, ou parte da pista de rolamento separada por pintura ou sinalizadores físicos, voltada para a circulação exclusiva de pedestres e, excepcional-mente, de ciclistas. As chamadas ciclovias integram o passeio público. Esta com-preensão de passeios e calçadas é dada pelo Código Nacional de Trânsito, mas nem sempre de maneira transparente.

No nosso entendimento, calçadas representam aquele espaço físico, lindeiro ao terreno, construído ou não, de largura mínima, podendo estar instalados, ou não, certos mobiliários (postes, abrigos de ônibus, telefones, lixeiras, bancos e caixas de correios), sinalização e vegetação, onde se dá o fluxo livre e desimpedido de pedestres. Este último representa o passeio, compreendido pelo espaço sucessivo e con-tínuo das calçadas, sem obstáculos, livre e acessível ao pedestre, que lhe faculte trânsito exclusivo e seguro. Exemplo cristalino de calçada e passeio público são as duas pistas, situadas de ambos os lados na Estrada do Amor, reservadas para pedestres e ciclistas.

Assim, para uma cidade ser dotada de boas calçadas, estas devem apresentar condições para atender a acessibilidade e a mobilidade de seus cidadãos. Para tanto, devem oferecer segurança, uniformidade, fluidez, atratividade, conforto, higiene, regularidade e continuidade. A construção e a conservação das calçadas cabem à iniciativa privada, ao proprietário do imóvel lindeiro, mas é de competência da Prefeitura o controle e a fiscalização de suas condições, combatendo as irregularidades através das devidas sanções. Importa esclarecer que o passeio público é disciplinado por normas municipais, cabendo esta incumbência ao Plano Diretor, ao Código de Obras, ao Código de Posturas e às leis de ocupação e de uso do solo urbano de cada município, segundo estabelece o Art. 182, § 1º da Constituição Federal e a Lei nº 10.257/2001 – o Estatuto da Cidade.

Como já se pode inferir, as calçadas se revelam deveras importantes para os habitantes de uma cidade moderna. Tanto que são alçadas à condição de logradouros públicos – ou espaços livres destinados à circulação pública – pela legislação especializada, sendo tratados, destarte, como bens públicos. São equipamentos estreitamente vinculados ao meio ambiente saudável e equilibrado, pois é através deles que se dá a locomoção da população por meio da caminhada, estimulando a atividade física, a saúde, o lazer, a sustentabilidade, a sociabilidade, os contatos e a interação de pessoas no espaço público. Também efetivando o direito fundamental de ir e vir, consagrado no Art. 5º, XV, da Constituição Federal.

Com efeito, a construção de calçadas e passeios e a sua manutenção em condições satisfatórias são um imperativo da ordem jurídica do município e do país, visando a proteção da vida humana e a promoção de sua dignidade. Nesses termos, países desenvolvidos vêm implementando em muitas de suas cidades projetos eficientes de melhorias do trânsito de pedestres e da qualidade de seus passeios públicos. Entre eles, EUA, Canadá, Reino Unido e países da União Europeia. Uma preocupação que se coaduna com a projeção da ONU, segundo a qual 2/3 da população mundial residirão nas cidades em 2050, o que exigirá de planejadores e governantes respostas eficientes, com destaque para energia, água e trânsito de pessoas.

O Brasil, em sua história recente, experimentou uma série de avanços no aprimoramento das políticas de acessibilidade e mobilidade urbanas, a partir da edição da Lei nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, e da Lei nº 12.587/2012, que estabeleceu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, estando esta legislação fundamentada nos artigos 21, XX, e 182 da Constituição Federal de 1988. O § 1º deste último artigo obrigou as cidades com mais de vinte mil habitantes a aprovarem os seus Planos Diretores, pelas Câmaras Municipais, ficando estabelecidas nesses planos as diretrizes para a construção de calçadas e passeios públicos, complementadas por outras normas locais.

Um outro avanço foi a criação do Ministério das Cidades, em 2003, pelo primeiro governo Lula, em razão do estabelecimento de políticas públicas específicas para as cidades, mas infelizmente extinto em 2019 pelo atual governo. Agregando-se a isso, uma nova visão de cidade, pautada em princípios humanistas, da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana, vigorou no país, a partir dos movimentos de reforma urbana dos anos 80, nos meios acadêmicos, nos movimentos e redes sociais e no parlamento, resultando numa série de ações inovadoras destinadas ao aperfeiçoamento da acessibilidade e da mobilidade urbanas, na atualidade. Nesse aspecto, associações de moradores e entidades têm surgido, a exemplo do portal Mobilize Brasil, criado em São Paulo, em 2003, pela Associação Abaporu, uma organização social civil de interesse público, sem fins lucrativos, que objetiva contribuir para a melhoria da mobilidade urbana, fazendo as cidades brasileiras mais humanas e democráticas, com melhor transporte público, mais ciclovias e calçadas acessíveis. Para tanto, visa gerar conhecimentos sobre mobilidade urbana sustentável, fomentar o debate e a cultura cidadã em prol de melhoria da qualidade de vida nas cidades e pressionar governantes, dentre outros fins.

Podemos ainda mencionar dois outros documentos, muito instigantes e por representarem um marco dessa filosofia no campo pragmático: o estudo da consultora legislativa Ludmila Penna Lamounier, de 2015, da Câmara dos Deputados, intitulado Acessibilidade de Calçadas, e a Cartilha da Calçada Cidadã, de 2016, da senadora Mara Gabrilli, do PSDB de São Paulo, que compôs chapa com a senadora Simone Tebet nas eleições presidenciais deste ano.

Além desses aspectos técnicos, que pretendemos aprofundar mais um pouco na segunda seção deste ensaio, deixamos claro que o presente assunto nos tem preocupado há muito, mas que adiávamos sua abordagem por carência de tempo, por preguiça ou por falta de compromisso com a cidadania. Mas chegou a hora. Não se trata de uma crítica pela crítica, Mas, de uma provocação, de um choque, objetivando o despertar do problema e a apresentação de propostas para o seu equacionamento, a fim de que tenhamos uma cidade mais humana, sustentável, evoluída e muito mais agradável.

Cleanto Beltrão de Farias

Cleanto Beltrão de Farias

Cleanto Beltrão é professor do Ensino de 3º Grau; doutor em Ciências Jurídicas e Sociais; professor aposentado da UFCG, com atuação nos campi de Cajazeiras e Sousa e presidente do Partido dos Trabalhadores de Cajazeiras-PB.

Contato: [email protected]

Cleanto Beltrão de Farias

Cleanto Beltrão de Farias

Cleanto Beltrão é professor do Ensino de 3º Grau; doutor em Ciências Jurídicas e Sociais; professor aposentado da UFCG, com atuação nos campi de Cajazeiras e Sousa e presidente do Partido dos Trabalhadores de Cajazeiras-PB.

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