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Wallace Dantas

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Crônica nº 1 – Era uma vez um homem

19/07/2017 às 20h01

Por Wallace Dantas

Era uma vez um homem que estava para nascer. Concebido numa noite amorosa, num encontro entre um corpo de um homem e de uma mulher, entre sussurros, forças, gemidos e abraços intensos, a partir da vontade dos dois corpos que, de uma forma única, quiseram perpetuar o amor que até então os unia. Foi crescendo na barriga da mãe, sendo acariciado, desejado, esperado… Com 9 meses finalmente nasceu.

Era uma vez um homem que nasceu. Nasceu no meio de uma família que o desejava e o esperava com todo carinho. Tinha um pai. Uma mãe. Uma família linda e carinhosa. Nada lhe faltava. Tudo ele tinha e passou a viver em um mundo lindo, cercado de carinho, abraços e inocência. Sorriu pela primeira vez quando a mãe o acalentava, num lindo fim de tarde de um sábado qualquer, a espera do pai que vinha do jogo de golfe. E foi crescendo, neste mundo que deixou de ser de Alice e suas maravilhas e passou a ser dele e dos que o cercavam. Ao fim da inocência, tornou-se um lindo menino, admirado por todos, e passou a frequentar a escola.

Era uma vez um homem que começou a frequentar a escola. Frequentou a escola, nos anos iniciais, tornando-se assim um indivíduo social e com amiguinhos verdadeiros. Estudioso. Calmo. Inteligente. Sempre sendo deixado pela mãe e sendo pego pelo pai, quando este voltada do trabalho para almoçar. Sempre sorrindo, amado por todos os amiguinhos, professores, diretores e demais funcionários da escola, cresceu no mesmo ambiente escolar durante todos os anos do fundamental ao médio. Finalmente, passou no exame vestibular e, com alegria e dedicação, ingressou na faculdade.

Era uma vez um homem que ingressou na faculdade. Estudante de Direito, lia compulsivamente os tratados, mas não deixou de amar a literatura alemã, russa e brasileira. De Suskind, passando por Dostoiésvik até chegar a Machado, à Lispector, à Meireles e a todo o pós-modernismo concreto brasileiro, dividia o tempo entre essas duas artes por entender que a vida, apesar das leis, é também literatura. Concluiu o curso de Direito recebendo láurea acadêmica por todo empenho e pelo destaque, sendo aprovado no exame da ordem, orgulhando a amada família, tirando dos olhos da mãe lágrimas e se eternizando como o primeiro membro da família a ingressar no Direito, afinal, todos eram da área médica. Vivendo até então com os pais, decidiu, então, sair de casa e morar sozinho.

Era uma vez um homem que morava sozinho. Num apartamento modesto, no terceiro andar de um edifício que tinha como nome “Oscar Wilde”, passou a ter uma vida planejada para um jovem, recém – formado, e que lia literatura e, nas horas vagas, advogava. Não levava ninguém ao seu apartamento. Ninguém, além dele mesmo, se deitava em sua cama de casal. Não ia às festas. Não namorava sério. Viaja sempre que podia. E sempre lia e advogava e assim foi vivendo.

Ligava para mãe diariamente, assim, como também, para o pai. Foi se dedicando ao trabalho, às leituras, e dando pouca atenção à vida e aos seus prazeres. Até aqui, o Amor, não passava de uma palavra meramente dicionarizada. O homem não conhecia o Amor conjugal.
Era uma vez um homem que não conhecia o Amor. Estudou muito. Trabalhou muito. Se tornou um grande homem na sua área de atuação. Passou a ter uma vida razoavelmente agradável e confortável. Ajudava a família. Ajudava os amigos.

Viajava sempre. Investia o dinheiro em ações. Passou a ficar com as mulheres que sempre quis. Nunca, porém, namorou. Nunca teve a presença de uma mulher na cama de casal do seu quarto, em seu apartamento modesto ainda, apesar do dinheiro que, com os anos, foi acumulando. Nunca disse um “eu te amo”, nunca também ouviu. Os pais nunca, nunca disseram nada, mas ele sabia que o amor existia através das ações paternas. Mas, ele queria mais, bem mais… Esse homem queria viver o Amor.

Era uma vez um homem que queria viver o Amor.

Era uma vez um homem que ainda queria viver o Amor.

Era uma vez um homem que loucamente queria viver o Amor, mas foi tomado pelo peso dos anos, chegando àquilo que chamam de terceira idade. Completou 65 anos, tinha acabado de sepultar a mãe que havia ficado viúva há 10 anos.

Herdou tudo dos pais, afinal, era filho único. Por alguns anos, parou de viajar até que organizasse tudo. A morte da mãe o abalou profundamente. Não trabalhava mais, pois guardou muito para envelhecer com dignidade e sozinho. Finalmente, a tristeza chegou. A solidão até então camuflada se fez presente de forma intensa. E ficou só, apesar da família que teve na infância, juventude e maturidade.

Era uma vez um homem que ficou só. Apesar de ter vivido anos brilhantes, felizes, ao lado de uma família que ainda estava viva, agora, um homem se via sozinho, triste, com dinheiro e apenas com vontade de amar. Estava também sem os amigos. Um homem entendeu que viver para acumular riquezas poderia até ser uma atitude inteligente, no entanto, essa mesma atitude poderia levar à solidão de nunca, jamais ter vivido um Amor. Não querer amar verdadeiramente uma pessoa por entender que ela poderia tirar todo seu dinheiro foi, no final das contas, uma atitude idiota, pois o privou de amar, seja verdadeira ou levianamente.

Era uma vez um homem que, antes de morrer, pensou que o Amor, seja como for, é Amor. Verdadeiro ou falso. Grande ou pequeno. De uma mulher, de duas, de três… O homem, antes de morrer, olhou para o céu, agradeceu os anos vividos, os livros de literatura lidos durante a vida, as causas que ganhou, sendo, por fim, um dos melhores advogados de sua época. O homem, olhou para o céu, agradeceu a solidão que naquele momento com ele estava e, pela primeira vez, chorou. Chorou devido à certeza de não ter amado na vida, de não ter sido amado, de não ter vivido momentos de intenso amor, Amor esse que precedeu seu próprio nascimento.

O homem, após a lágrima chorada, fechou os olhos naquela manhã de inverno, naquele quarto de hospital, olhando o céu pela janela. Morreu sem amar e sem ver o sol. Morreu sem sorrir. Morreu sozinho. E nada, nada que acumulou na vida, levou consigo.

Era uma vez, enfim, um homem que morreu e não sorriu e não teve o direito de ver o sol.
E o Amor, mesmo assim, para os outros que sempre se dispuseram a senti-lo e vive-lo, continuou a existir.

Wallace Dantas

Wallace Dantas

WALLACE DANTAS
Graduado em Letras/UFCG Especialista em Ensino de Português e Linguística/UFRN
Mestrando em Linguagem e Ensino/UFCG
Professor de Língua Portuguesa, Linguística, Português Jurídico e Metodologia Científica.

Contato: [email protected]

Wallace Dantas

Wallace Dantas

WALLACE DANTAS
Graduado em Letras/UFCG Especialista em Ensino de Português e Linguística/UFRN
Mestrando em Linguagem e Ensino/UFCG
Professor de Língua Portuguesa, Linguística, Português Jurídico e Metodologia Científica.

Contato: [email protected]

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