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Aparecida Cardoso

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Diversidade e riqueza do vocabulário do povo sertanejo

04/03/2023 às 08h44

Coluna de Aparecida Cardoso

Por Aparecida Cardoso –Não há como não valorizar a cultura sertaneja, principalmente quando somos sertanejos(as).

Nossa cultura é rica e diversa, muito há o que aprender com o sertão e quando se trata da linguagem, há uma variação linguística que nem todos os dicionários de Língua Portuguesa dariam conta de mensurar e destacar o linguajar do povo sertanejo, a não ser o próprio povo.

COISAS DO MEU SERTÃO é um texto poético que versifica um pouco sobre a variedade linguística, evidenciando a riqueza do vocabulário sertanejo.

COISAS DO MEU SERTÃO

No meu sertão é assim
Trabalho duro é rojão
Bafafá é bate-boca
Pé de seda é assombração
Galo cantou é agouro
Zombar é tirar o couro
É assim no meu sertão.

Dor na coluna é chamada
De espinhela caída
O cabra ou senta ou abanca-se
Não existe outra saída
Verificar é espiar
Fazer fofoca é futricar
Viver bem é boa vida.

A Botija é um tesouro
Bem enterrado no chão
Quem morre não leva ouro
E dinheiro também não
Escondida em lugar seguro
A fortuna no futuro
Serve à outra geração.

Pra uma criança febril
Não tem outra explicação
Foi quebrante ou mal olhado
Quem fez a judiação
De olhar pro bichim assim?
Eita povo de olho ruim
De outra vez não escapa não!

O que é ninho de rato
Na linguagem do sertão?
É desordem e bagunça
Falta de organização
Deixar de lado é abandonar
Embuchar é engravidar
Vida boa é no sertão!

Mexer ovo com farinha
E assar na frigideira
Vira uma malassada
Comida bem brasileira
Bem típica do sertanejo
Que sempre tem o desejo
De nunca comer besteira.

Manga com leite faz mal
Se não matar deixa aleijado
Provoca uma indigestão
Chamada de bucho inchado
O leite só se mistura
com cuscuz ou rapadura
Nunca com figo de gado.

Se um sujeito é destemido
Arrogante ou prepotente
Não tem medo do perigo
Metido a cabra valente
No Sertão ou no Nordeste
Chamam de cabra da peste
Só pra ver o movimento.

No sertão não se mergulha
Você faz é tibungar
Tibunga de água a dentro
E começa a nadar
E quando sair do rio
De tanto tremer de frio
Começa a entrevar.

Entrevar é ficar torto
Na linguagem do sertão
Cabeçudo é ser teimoso
Não é por ter cabeção
Desbocado é sem pudor
É quem fala sem temor
Tudo que é palavrão.

Dar com os burros na água
É ser também mal sucedido
Acuado é sem saída
Quanto se está em perigo
Garganta é também gogó
Calcanhar é mocotó
Ter catinga é ser fedido.

Diz-se que é gororoba
Um alimento grosseiro
Baque é o mesmo que queda
E capanga é pistoleiro
Um bofete é uma bolacha
Cheiro de corpo é inhaca
Rápido ou veloz é ligeiro.

Não há quem possa dar jeito
Se o cabra é enraivecido
Só tem outro nome a dar
Ao sujeito enfurecido
Diz-se que é enfezado
Esse indivíduo danado
Às vezes até atrevido.

Falando em partes do corpo
O sertanejo tem sorte
Onde alguns tem o pescoço
No sertão se tem cangote
Os quadris se chamam quartos
As costas é espinhaço
Eita sertanejo forte!

Endurecer o cangote
É desobedecer
É ter opinião forte
Sem se deixar amolecer
Não faz o que o outro quer
Não deixa outro qualquer
Sua mente distorcer.

O nariz se chama venta
E a garganta é goela
Quando estes dois inflamam
É comum ficar sequela
Sinusite é estalecido
Não passa despercebido
Por que nos óio há remela.

Ainda há quem duvide
Da riqueza da linguagem
Fuça é o mesmo que rosto
Afirmo sem sacanagem
No sertão se fala assim
É um orgulho pra mim
Sertanejo tem bagagem.

O sertanejo é humilde
Mas é também importante
Não gosta de coisas fraca
Que seja insignificante
Diz logo que é mixuruca
E se brincar ele encuca
Mudando até o semblante.

O homem do meu sertão
Não escuta muita asneira
Anda a pé dentro da lama
Não tem micose é frieira
E se sentir dor de barriga
Diz logo que é lombriga
Provocando a caganeira.

Se o chão estiver quente
E começar a chover
Não se põe cabeça fora
Com medo até morrer
Pois dizem que tem mormaço
Trancam-se sem embaraço
Para não adoecer.

Se eu quiser que um amigo
Fique encasquetado
Faço muita raiva a ele
Até ficar irritado
Não o deixo dormir direito
E ainda digo que o sujeito
É também encafifado.

Quem trabalha lá na roça
De terra entende bem
Sabe todas as medidas
Nenhuma dúvida tem
Um pedaço onde é plantado
Chama de eito, o roçado
Não pede ajuda a ninguém.

Rir do outro é caçoar
Também pode ser mangar
Se revelar um segredo
Também é desembuchar
Molhado é ensopado
Oh sertão velho danado
De tão rico linguajar.

Cada expressão tem valor
Só precisa definir
Também tem um apelido
Pra quem gosta de mentir
É contador de lorota
O cabra que não se importa
Em criar caso sem existir.

Se o sertanejo estiver
Em situação de desagrado
Doente ou sem ter dinheiro
Ou mesmo desempregado
Não há quem perdoe uma dívida
Metem o pau na sua vida
E ainda chamam de lascado.

Meter o pau é falar mal
Da vida do cidadão
É fofocar pelas costas
Porém pela frente não
Seja mentira ou verdade
A vítima da falsidade
O homem aqui do sertão.

Pé rapado é outro nome
Para quem não tem dinheiro
Pra namorar uma donzela
Precisa ser fazendeiro
Se não for, pode arredar
Deixar de azucrinar
O juízo do parceiro.

Se uma conversa for vazia
E não agrada a ninguém
Se não faz nenhum sentido
Perder tempo não convém
O sertanejo se apressa
E diz: – Que conversa é essa?
Não venha com nhé-nhém-nhém!

Há muito o que se falar
Das coisas do meu sertão
Mas por aqui vou parar
E em outra ocasião
Voltarei a escrever
Tem muito o que aprender
A linguagem do sertão.

É um orgulho pra mim
Ter nascido neste chão
Com todos esses costumes
Com tanta variação
Nossa linguagem é rica
E a mensagem que aqui fica:
Tenha orgulho do sertão!


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Aparecida Cardoso

Aparecida Cardoso

Aparecida Cardoso é graduada em Letras pela UFCG; especialista em Língua, Linguagem e Ensino – ISEC; mestra em Letras – UFCG; professora da Rede Estadual de Ensino da Paraíba; escritora e poetisa.

Contato: [email protected]

Aparecida Cardoso

Aparecida Cardoso

Aparecida Cardoso é graduada em Letras pela UFCG; especialista em Língua, Linguagem e Ensino – ISEC; mestra em Letras – UFCG; professora da Rede Estadual de Ensino da Paraíba; escritora e poetisa.

Contato: [email protected]

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