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Cleanto Beltrão de Farias

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Estrada Macia (I)

16/08/2022 às 09h04 • atualizado em 16/08/2022 às 09h05

Pavimentação asfáltica de ruas em Cajazeiras - foto: reprodução/Radar Sertanejo

Por Cleanto Beltrão de Farias

Há certos eventos, ocorridos no espaço existencial citadino, nosso de cada dia, de Cajazeiras, que nos chamam a atenção e nos conduzem, obrigatoriamente, a uma reflexão e a um exercício de cidadania, em busca de esclarecimentos e de compartilhamento com os demais cidadãos. Sobretudo na condição de pessoa pública que já somos, pelas funções exercidas e serviços prestados, pelo tempo vivido, pelo compromisso com o justo e com a transparência dos fatos – ofícios próprios de um professor.

Sobredita atenção veio-nos com o deslocamento até o centro da cidade, que costumamos fazer diariamente, no velho Fiat, saindo do Sol Nascente, passando pela avenida Francisco Matias Rolim e nos dirigindo à Estrada do Amor pela rua que traspassa o Bairro São José. Pois bem, nessa calma, ensolarada e histórica manhã de quinta-feira, onze de agosto, fomos descendo a ladeira e, ao cruzar a ponte do sangradouro do Açude Grande, nos deparamos com a negritude do novo piso da Rua Benedito Gomes Souza. Esta via dá continuidade à Avenida José Donato Braga, ou Estrada do Amor, e margeia a Catedral Nossa Senhora da Piedade, desembocando na Avenida Padre Rolim.

Que maravilha, que encantamento, que perfeição de asfalto! Parabéns construtora, parabéns senhor Prefeito. Sentimo-nos felizes pela maciez do chão e fluidez das rodas, pelo menor tempo do trajeto, pela economia e pela beleza da engenharia. Também nos sentimos agradecidos pelos benefícios recebidos, pessoalmente e pela comunidade. Porque em dias antecedentes o Uno vermelho todo estremecia, gemendo nas ondulações do calçamento, remoto e obsoleto.

Entrementes, antes de estacionarmos o veículo, ao chegarmos no Centro, a surpresa e o contentamento deram lugar, como um estalo ou inspiração, à reflexão e ao questionamento: por que tão importante obra está sendo construída às vésperas de uma eleição, capaz de selar os destinos deste país e desta cidade – inclusive o seu, Prefeito José Aldemir? Afinal, serão vinte e três ruas asfaltadas, graças a recursos procedentes de Brasília, obtidos pelo deputado federal Agnaldo Ribeiro, através de emenda do orçamento, e intermediados pela deputada Doutora Paula junto ao governador João Azevedo, segundo noticia a imprensa local. Para esse mister, cinco milhões de reais foram depositados na conta da Prefeitura Municipal de Cajazeiras.

Repetimos, tudo em ano eleitoral e com obras concentradas às portas de uma eleição – afinal, faltam menos de cinquenta dias para a sua realização. Evidente que não é proibido asfaltar nem trazer benefícios para o município de Cajazeiras. O problema não é esse e não estamos aqui nos posicionando contrários a tão nobre iniciativa! Mais ainda quando o chefe do executivo local integra a base de sustentação do atual mandatário da República, o Presidente Jair Messias Bolsonaro, através da sua bancada parlamentar no Congresso, o chamado “Centrão”. Aliás, é o único dos quinze prefeitos da região polarizada a apoiar a reeleição do Presidente. Do mesmo modo, não se trata de censurar o alinhamento ideológico do Prefeito, porque no espírito republicano moderno, no qual nos alinhamos, não há lugar para pensamento único. A liberdade de opção político-partidária terá de ser respeitada, necessariamente. Ocorre que a ocorrência desses eventos – e não só o asfaltamento – necessita de uma reflexão e de um questionamento, como incumbência da cidadania ativa, especialmente quando oriundos de um munícipe consciente, porque assim acreditamos que somos, juntamente com muitos outros desta inquieta cidade.

Daí seleto leitor, a necessidade de aqui abordar o contexto dessa obra, com a merecida profundidade, para a compreensão de todos nós. E é o que faremos agora. Este entendimento passa por uma análise técnico-administrativa e de conjuntura política.

Primeiramente, salta aos olhos que a realização da nominada obra, na antessala de uma eleição singular, histórica e profundamente simbólica, visa influenciar o eleitor e interferir nos resultados das urnas. Simbólica, porque implicará, seguramente, na derrocada da incompetência, da delinquência oficial, do autoritarismo, do fascismo e daquilo do que restou de pior da ditadura. Isto se revela muito claramente com o exame da procedência dos recursos e do contexto político nacional, além da improvisação, da pressa, da falta de transparência e do uso descarado da máquina pública com fins eleitoreiros, patentes na condução dos serviços.

No tocante ao aspecto técnico-administrativo, observamos a inexistência da placa indicativa dos valores contábeis do empreendimento, dos seus custos, do prazo de execução, da empresa executora e dos agentes financiadores envolvidos, exigível por toda obra que envolva recursos públicos, em atendimento ao princípio da transparência administrativa. Do mesmo modo, dão na vista o improviso, a falta de planejamento e a pressa, uma vez que boa parte das ruas indicadas para asfaltamento não dispõe de saneamento. Isso implicará, num futuro próximo, na demolição de partes desse conjunto de obras para a implantação da rede de escoamento sanitário, tão indispensável para a promoção da saúde dos munícipes.

Em contrapartida, nos arrabaldes da urbe o que se vê são esgotos a céu aberto e um sistema viário que atenta contra a acessibilidade e a mobilidade urbanas. Neste último aspecto, Cajazeiras é uma cidade sem calçadas, especialmente nos bairros e nas franjas periféricas, pobres e abandonadas. Um retrato da profunda desigualdade social reinante e do tratamento omissivo e diferenciado do poder público municipal. O que comprova, sob tal percepção, que pobre é problema e não solução.

Esses fatos explicitam a obra de asfaltamento, no contexto examinado, como de fachada, por ser amplamente visível e de alto rendimento eleitoral, destinada a beneficiar as elites econômicas locais, confirmando mais uma vez a prioridade maior dessa atual gestão de governo.

Demais, com o uso ostensivo do serviço público para o mesmo fim eleitoreiro – não sendo mera coincidência a transferência dos ruidosos festejos juninos para a primeira quinzena de agosto, como se fossem em comemoração ao dia da cidade, celebrado nesta segunda-feira, vinte e dois. Importante registrar que Cajazeiras é um município de 65 mil habitantes, mas sede de nove emissoras de rádio, quase todas sob o condão e o controle do prefeito José Aldemir, o que tem dado total visibilidade, não só às obras de asfaltamento, mas a todos os atos da sua administração.

Um outro setor sob o “guarda-chuva” do atual prefeito é a Câmara de Vereadores ou Casa Otacílio Jurema, o que anula qualquer possibilidade crítica ou contestação aos eventos que agora refutamos. Um total controle ou monopólio de poder entranhado historicamente e que se perpetua desde a fundação da “Terra do Padre Rolim”, nos meados do século XVIII, com a instalação das primeiras sesmarias, através de administrações municipais de índole coronelista, elitistas, excludentes e de quase nenhuma transparência.

Contudo, o ponto nodal da nossa criticidade não é somente a intempestividade das obras asfálticas das vinte e três ruas deste pujante centro urbano, mas a proveniência dos seus recursos – diga-se, do “orçamento secreto” – e a sua vinculação ao contexto político-eleitoral, bem como à gravidade do momento histórico ora atravessado. Matéria que será examinada proximamente, na continuidade deste artigo, caro e seleto leitor.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Cleanto Beltrão de Farias

Cleanto Beltrão de Farias

Cleanto Beltrão é professor do Ensino de 3º Grau; doutor em Ciências Jurídicas e Sociais; professor aposentado da UFCG, com atuação nos campi de Cajazeiras e Sousa e presidente do Partido dos Trabalhadores de Cajazeiras-PB.

Contato: [email protected]

Cleanto Beltrão de Farias

Cleanto Beltrão de Farias

Cleanto Beltrão é professor do Ensino de 3º Grau; doutor em Ciências Jurídicas e Sociais; professor aposentado da UFCG, com atuação nos campi de Cajazeiras e Sousa e presidente do Partido dos Trabalhadores de Cajazeiras-PB.

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