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Nadja Claudino

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O dia primeiro de abril

01/04/2014 às 16h55

“Oh, musa do meu fado,
Oh, minha mãe gentil,
Te deixo consternado
No primeiro abril.”
(Chico Buarque)

A vida se faz a cada dia.  Alguns bons, outros nem tanto. Dias são esquecidos. Há os que nunca acabam.  Os chamados dias históricos ganham importância, necessitam ser lembrados pelos estudantes na hora da prova, são comemorados, transformados em feriados nacionais.

Nada importante na vida, muito menos na história, pode ser decidido em um único dia. O primeiro de abril de 1964 foi o ponto culminante de um processo político que já vinha se arrastando há bastante tempo. Os militares monitoraram desde o último governo de Getúlio até o de João Goulart. Esperavam um deslize, pequena convulsão social para implantarem pela força um regime antidemocrático. No dia 31 de março de 1964, o general Kruel, comandante do Segundo Exército, sitia o então Estado da Guanabara. O golpe, vitorioso, ganha os quartéis do Brasil. 

A vitória não se deu só pelas armas, os mais importantes meios de comunicação do país apoiaram os militares.  O jornal O Globo, de propriedade da família Marinho, deu sua opinião favorável aos militares em longo e contundente editorial no dia dois de abril, quando usou estas expressões em favor dos militares: patriotas, democracia, lei, heroísmo, legalidade, confiantes, bravos, gratidão, providência divina. O presidente eleito pelo voto popular e seu governo democrático foram tratados com estas palavras: destruir, irresponsável, anarquia, comunismo, servil, subversivo. 

Outros jornais se alinharam rapidamente aos golpistas. O jornal O Povo, de Fortaleza, em sua edição de 03 de abril de 1964 fala em “paz alcançada”, “vitória da causa democrática”. Tribuna da Imprensa, jornal editado no Rio de Janeiro, de propriedade do jornalista Carlos Lacerda, seguindo sua linha de violência verborrágica, diz em 02 de abril de 1964: “Escorraçado, amordaçado, e acovardado deixou o poder como o imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart”. O Jornal do Brasil, na mesma data, chama Goulart de “caudilho” e comemora o fato de que: “Desde ontem se instalou no país verdadeira legalidade”. 

Golpistas nos quartéis, golpistas na imprensa.

Os dias históricos são caros. Grandes acontecimentos e as opiniões em torno deles sempre voltam do passado para cobrar suas dívidas. Carlos Lacerda depois de apoiar os militares viu o regime acabar com seu sonho de um dia chegar à presidência. Ensaiou opor-se aos militares, mas em 1968 foi cassado. As Organizações Globo prosperaram muito durante o regime. Em 1965, Roberto Marinho obtém a concessão e o dinheiro necessários para abrir essa gigante das telecomunicações que é a Rede Globo de Televisão. 

Primeiro de abril de 1964 é um dia sem fim e sem começo. Cinquenta anos depois tem o poder de causar consternação e nos traz também grandes lições. Com o tempo, os jornais que apoiaram o golpe mudaram o discurso e passaram a cuspir nos militares, como se não fossem responsáveis pela instalação do regime. Ano passado, a Globo pediu desculpas públicas pelo editorial do dia 02 de abril. E João Goulart, expulso pelos militares, tachado de fugitivo pelos jornais da época, teve seus restos mortais recebidos em Brasília com honras de Chefe de Estado. A viúva, Tereza Goulart, assistiu a homenagem com uma bandeira do Brasil nas mãos. A imagem pública do seu marido estava sendo restaurada. Nada como um dia após o outro. Frase feita, mas certeira. 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Nadja Claudino

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