Padrinhos de luz
Numa noite de São João no calor da fogueira, nos idos da década de 50, no Distrito de Engenheiro Ávidos (Boqueirão), de uma tacada só tomei como padrinho de fogueira mais de uma dezena de pessoas. No dia seguinte só era chegando os meus padrinhos na bodega de meu pai e comunicando o fato e já o chamando de compadre. Infelizmente todos já morreram, mas sempre respeitei os meus padrinhos de fogueira e onde quer que estivessem, sempre pedia suas bênçãos. O último deles, manoelzinho, morreu a alguns anos atrás.
Hoje estar acontecendo o contrário, eu é que tenho alguns afilhados de fogueira e nesta última segunda-feira, dia 23, fui passar a noite de São João numa garra de terra que possuo as margens do Rio Piranhas, batizada de Faisqueira e fui padrinho de Keyla uma inteligente menina-moça e minha esposa Antonieta da jovem Zoraide. Enquanto eu procedia o ritual do “batismo de fogo”, evocava as lembranças daquela bela noite em Boqueirão, há mais de 50 anos atrás, quando declamava o ritual, no calor da fogueira, de mãos dadas, quando padrinho e afilhado repetem por três vezes, a frase:
“São João disse
São Pedro confirmou
Eu sou seu padrinho
Que São João mandou”.
Entre o carnaval, o Natal e o São João, a festa que mais demonstra solidariedade e fortalece amizades são as juninas que entrelaçam as pessoas pelo coração. Não tem um apelo comercial, nem propaganda exacerbada para o consumismo. Um compadrio de pé de fogueira tem um simbolismo muito forte, muitas vezes mais do que os laços de sangue: “São João dormiu/ São Pedro acordou/ vamos ser compadres/ que São João mandou”, entrelaça amizades e é como se escolhesse um irmão. Conheço compadres de fogueira cujo tratamento e relacionamento os levou a ser verdadeiros amigos fraternos e eternos.
São João Batista, santo católico, era primo de Jesus Cristo, nasceu em 24 de junho e morreu a 29 de agosto do ano 31 d.C. na Palestina. Foi degolado por determinação de Herodes Antipas, a pedido de sua enteada Salomé, pois a pregação do filho de Santa Isabel e São Zacarias incomodava a moral constituída na sua época.
Foi João Batista que teve o privilégio de batizar Jesus nas águas do Rio Jordão e foi um dos santos que teve o poder de dar ao mês o seu nome (mês de São João) e qualificar de “joaninas” ou “juninas” as festas realizadas no decurso dos seus 30 dias.
O ritual da fogueira para nós sertanejos tem um significado que extrapola a tradição e se torna uma devoção ou quase uma obrigação acende-la a cada ano em frente de nossas residências. Existe uma versão que Isabel, a mãe de João Batista, mandou acender uma fogueira, em frente da casa, com a finalidade de avisar para sua prima Maria, o nascimento do Filho divino. E a cada ano acender a fogueira é como se fosse a renovação da fé cristã. É como se as labaredas se transformassem em luzes a iluminar o nosso caminho e que as cinzas, na manhã do dia seguinte, espalhadas em derredor da casa, nos protegessem até o ano seguinte.
Este ano, enquanto acendia a fogueira da minha casa, fiquei relembrando o meu pai que nunca deixou, enquanto vivo, de acender uma fogueira em homenagem a São João, sempre acompanhada de muitos foguetões, bombas, chuvinhas, traques e “bufa de vei” para os netos pipocarem na calçada de sua casa, acompanhada ainda de muita comida deliciosamente preparadas por minha mãe.
A festa de São João é a mais sertaneja de todas, a que toca mais de perto os nossos sentimentos, a nossa alma. É uma festaque para participar basta um vestido ou uma camisa de chita, uma alpercata de sola, um chapéu de palha, a canjica, a pamonha, o bolo de caco ou de milho, batata doce assada na brasa e o pé-de-moleque. Uma festa popular, popular até na gastança e nos instrumentos para o arrasta-pé do pé de serra: zabumba, triangulo e sanfona, num pavilhão de barro batido rodeado de bandeirolas e palha de coqueiro e viva São João!
“Olha pro céu meu amor, veja como ele está lindo…”. A noite de São João é só encantamento, luz, forró, milho assado que foi plantado no dia de São José, foguetão a valer e muito amor.
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