Resquícios de uma história
Por Aparecida Cardoso – Nem bem o dia havia amanhecido, o velhinho estava ali, bem sentado num banco de madeira, daqueles bem antigos e pesados, depois de ter tomado o café da manhã com cuscuz e ter tragado o seu cigarro de palha.
De repente, algo lhe ocupou a vista, quando viu um automóvel que vinha exatamente em direção ao seu humilde barraco, o qual tinha sido construído metade de tijolos e metade de taipa.
O senhorzinho não tinha costume de receber visitas nobres, assim, ficou surpreso e viu que o carro parou próximo a um juazeiro bem antigo, um que fazia sombra no oitão da casa. De repente, ouviu os passos lentos, de alguém que se aproximava da porta de entrada.
O cachorro latiu, como sempre estranhando a presença de pessoas que ele não costuma ver na redondeza. E misturado ao latido do cão e ao som das palmas, ouviu a voz de alguém que anunciava sua chegada.
– Oh de casa!
-Oh de fora! Em que posso lhe servir? – retrucou o velho
E continuou:
– Sente-se! Aceita um café?
Por um instante, o visitante ficou pensativo ao observar o idoso e a sua maneira acolhedora de receber o próximo em sua humilde moradia, tendo em seguida, lhe entregado um papel que que certamente o bom velhinho não entenderia, por ser analfabeto.
E mais uma vez, o pensamento tomou conta do visitante: Como é que um a criatura que não sabia nem sequer reconhecer a primeira letra de seu nome, poderia ser tão gentil e dono de uma educação gigante?
Enfim, o pensamento fluía lembrando daquele velho ditado: educação vem do berço e certamente aquele homem teria herdado tudo de seus pais.
Contudo, pensando de maneira técnica, o que menos importava naquele momento era o lado sentimental, o certo mesmo era cumprir com o trabalho e por fim naquela situação antes que a sensibilidade impedisse a realização da tarefa “importante”.
– Senhor, vi que não entendeu nada que está escrito nesse papel, sendo assim vou lhe deixar ciente da situação. Mas antes quero que entenda que estou aqui só cumprindo minha obrigação, sou mandado e não posso perder meu emprego que é o ganha pão de de cada dia.
E continuou:
-Não sei se o senhor já ouviu falar em um projeto para a construção de um canal onde passará água que chegará até algumas cidades, vinda de um rio permanente.
O velhinho escutava atentamente, enquanto olhava para o papel ainda nas mãos do visitante e falou: – Ouvi sim senhor!
-Pois bem, continuou o funcionário: Para construir o canal, a empresa vai precisar demolir algumas casas, pois no projeto, o percurso deve ser exatamente onde as casas estão, incluindo a do senhor!!!
Nisso, as lágrimas foram caindo dos olhos dos dois homens, que se abraçaram intensamente por um longo período e depois:
– Como? Vão derrubar minha casinha? Ela vai deixar de existir? Vai se acabar tudo?
– Sim, mas o senhor vai ter uma casa nova na cidade, toda moderninha, com água encanada, calçamento, saneamento básico. O governo já providenciou tudo.
O velhinho cabisbaixo, se desmanchando em lágrimas, falou:
-Meu filho, eu vou ter tudo isso, mas não vou ter mais o contato tão próximo com a minha história, com minhas raízes. As memórias nesse pedaço de chão me sustentam, me fazem feliz . Se vão acabar com minha casinha, acabarão comigo também.
E desse dia em diante, a vida moderna do velhinho foi só tristeza e depressão. A casa foi demolida, o canal construído e algumas vezes o velhinho aluga um táxi para passar na estrada e observar de longe o local onde foi feliz, onde sua história foi construída e hoje só resta poeira e solidão.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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