A lição do mestre
Um dia, numa de suas aulas de Literatura, o professor Moreira Campos, mestre do conto nacional, proseava com a turma, naquela sua calma, os olhos espremidos num rosto enrugado, a voz rouca saindo de dentro daquele paletó cinza… Tchecov era um gênio; Maupassant, um virtuoso, Catherine Mansfield, uma extraordinária contadora de histórias, Machado, um monstro. E nós, ensaiando nossas primeiras letras (cada um com um sonho rabiscado), ávidos para ganhar o mundo, mas tímidos o bastante para pedir a leitura do professor.
E íamos contando nossas histórias para os colegas de turma, de farra, de bairro, com pretensões de alcançarmos um lugar numa sala de aula ou numa revista literária.
Moreira falava sobre tudo: artes, religião, filosofia, causos de terreiro, cenas da vida pacata e comum de seres sem expressão, mas que davam sentido à vida. Isso nos fez entender que uma aula de literatura é sempre uma aula de infinitudes.
Sempre era replicado pelo Bosque de Letras. O Moreirinha falou com tanta firmeza que a menina se enfureceu e se benzeu de si mesma, decepcionada com a resposta do homem. O senhor é ateu? Não, minha filha, sou agnóstico. E o que é isso? Eu não questiono a existência ou não de Deus. A mim me bastam minhas dúvidas. Se ele existir, terá a grandeza de me perdoar; se não, estou em paz. A aluna, não satisfeita com o agnosticismo do professor, voltou-se para suas penitências e trancou a cadeira.
Fico pensando em como somos autoritários com as nossas crenças, como queremos impor valores, conceitos e determinar comportamentos a partir do nosso mundo. Imagino se essa tal de escola sem partido ou sem rumo adotar uma filosofia, uma doutrina religiosa, uma simpatia política na falsa neutralidade a que se propõe. Começaremos a formar robôs, autômatos, beatos, caçadores de bruxas, papagaios bem treinados na arte da autoilusão.
Por um momento, voltei ao tempo de estudante de Letras para lembrar como estamos órfãos de instigadores do conhecimento. Por causa do Moreira Campos me tornei contista. Conheci grandes escritores. Engrossei o pescoço e o couro nas incertezas do mundo fabuloso da arte. Como professor, escuto sempre a lição do mestre. Camões era um demônio! Dante tinha a força de um vulcão, recriando infernos mais violentos que o inferno bíblico. E o velho Graça! Ficava lá no fundo da Livraria, tomando café e fumando um cigarro atrás do outro. Chegue pra cá, José Maria (Moreira Campos). Como anda a patroa? Um sujeito de grande coração.
E o Guimarães Rosa, como era?
Ficava lá, no meio da peãozada. Só se distinguia porque era branco e usava uns óculos marcantes. Tanto contava história como ouvia, sempre anotando. Aquele olhar de Riobaldo, desconfiado e desconfiando de tudo. Um sujeito que escreve Grande sertão: veredas não pode ser desse mundo.
Bem, por hoje é só. Leiam Singularidades de uma rapariga loura, do Eça de Queiroz. Na próxima aula, a gente dá outras voltas.
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