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Mariana Moreira

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A minha lua

25/07/2021 às 23h52

Coluna de Mariana Moreira. (Foto: reprodução/internet).

Por Mariana Moreira

Na minha infância tinha uma lua que era só minha.

E, nas noites de lua cheia, ela surgia para mim na depressão entre os serrotes do Redondo e do Tambor, harmonizando o meu nascente que se desenhava depois da touceira de bugari, cujas flores, sobreviventes dos ataques das formigas de roça, espalhavam um suave perfume por terreiros e narinas.

A minha lua aparecia timidamente em fases crescentes lá nos confins do poente, para além da Serra da Areia, em fins de tarde que se despediam do dia e anunciavam noites de visitas de parentes e amigos que traziam prosas de invernadas, de estiagens, causos de família, botijas enterradas. Prosas de visagens e malassombros que insistiam em continuar comigo por sequencias de lembranças e noites de lua nova.

A minha lua brincava de esconde-esconde em fases de lua nova, sumindo do céu e deixando as noites mais soturnas e carregadas de almas penadas, de faróis de pirilampos e vagalumes e de estrelas que cintilavam longes como a expressar saudade da pariceira com quem pontilham os céus de focos de luz e claridade.

A minha lua escapava por uma fresta de telhado em minhas madrugadas insones e brincava de uma réstia serelepe na rede que acolhia o corpo infantil desperto com sonhos e medos. E, de repente, se escondia por trás de uma traquinas nuvem que, escoteira, passava apressada na direção do cariri cearense, como a buscar proteção de beatos e padins.

A minha lua deixava os campos de minha infância nevados nos meses de safra de algodão trazendo para a memória a prosa solta, mas sofrida, dos catadores que, em fins de tarde, aquilatavam o resultado do trabalho na balança de braços de corda suspensa na galha da cajazeira. A mesma lua que, à noite, trilhava os caminhos dos crentes e devotos que se ajuntavam nas renovações e novenas marianas fartamente celebradas na comunidade e, dançando num céu de prata, se divertida nas infantis brincadeiras de roda, nos flertes e olhares de soslaios dos jovens nas rodas de “lado direito”, nas conversas sérias de adultos em calçadas e cozinhas.

A minha lua tinha um São Jorge que também era meu. Como minha era a estrela que, em períodos do ano, lhe seguia reluzente como a revelar o orgulho de ter tão sublime pariceira de caminhada celeste.

Mas, minha lua ficou na minha infância. Se perdeu entre anos, cidades e luzes, projetos e estilos de vida. Hoje, esporadicamente, ainda encontro alguns fragmentos e fiapos de minha lua que teimam em escapar do adulto esquecido do sonho e da posse de ter sua própria lua.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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