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Cristina Moura

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A montanha

23/10/2020 às 08h57

Coluna de Cristina Moura

Uma das posturas mais ensinadas na ioga, para quem está começando, é a da montanha. Segundo a origem da prática, escrita em sânscrito, chama-se Tadasana. A pronúncia mais difundida é a tônica na antepenúltima sílaba, tomando como base nossa leitura aportuguesada: Tadássana. Para os mais ortodoxos, Yoga deve ser escrito assim, iniciando com ípsilon maiúsculo, com pronúncia fechada na segunda letra. E seria uma palavra masculina. Mas, as adaptações no nosso canteiro fazem da ioga um nome feminino, com pronúncia aberta. Não depende de letra maiúscula para se mostrar importante.

A postura citada, que se coloca simples para quem inicia, trata apenas de ficar de pé. Apenas. Uma das versões é deixar os braços estendidos ao longo do corpo e olhar para a frente. Não é tão fácil passar alguns minutos sem se render à ansiedade ou aos barulhos internos e externos. Com o decorrer das atividades, percebemos que a respiração será a principal fonte da concentração, para que os pés se sintam firmes, a coluna esteja alinhada e o pensamento flua como um rio em tempo de primavera.

Pensamento. Pensamento. Está aqui um discreto contrariador da ioga. Se não for bem articulado, torna a postura sofrida e o praticante irritadiço. Eu mesma já fui vítima do pensamento atravessado, desconsiderei o ritual e vi colegas desestabilizados com o tamanho do corpo. Na realidade, é o tamanho das próprias limitações, das desconfianças, das dúvidas, das intolerâncias, das bombas de açúcar no sangue, dos pratos deliciosos de costela ensopada. Tem gente que desiste logo na montanha.

Ao imaginar a elevação, penso numa excursão diária, num grupo de desportistas, cujo líder recomenda cautela. Vamos escalar com cuidado, diria ele. Vamos, ao menos, contemplar. Ao menos sentir uma porção da natureza, disponibilizada para nós mesmos. Ao menos, sentir. Ao menos, pois a montanha traz uma série de simbologias. Se o corpo estiver ereto, firme, seguro no exercício, pensar significa não pensar. Sim. Significa não elaborar, não se preocupar com o que a mente apresenta e deixar o ato de respirar sintonizado com o ambiente.

A montanha ganhou tal nome na ioga porque indica justamente o estado de firmeza, de equilíbrio, de exatidão. No nosso lado ocidental, pensamos parecido. Não é à toa que está incorporada, na nossa fala, a certeza de que a fé remove montanhas. Não é à toa que existe aquela música, que fala da montanha, que nos lembra o ato de agradecer. E o agradecimento é límpido quando compreendemos seu verdadeiro sentido. A montanha será sempre aquele lugar alto, representativo da beleza e da imponência. Nos meus desenhos de criança, a paisagem, para ser completa, tinha uma montanha. Um risco no fundo da composição, combinado com outros traços, com retoques de cores e algumas plantas. Para ficar ainda mais emocionante, percebi, no meu mundo, que da montanha poderia surgir uma cadeia, uma cordilheira, um conglomerado de montes, figuras naturais em pedras a serem escaladas.

É por tudo isso que a postura da montanha é como se fosse a postura da verdade. A partir dela, percebemos como está nossa quietude, ou seja, nossa capacidade de parar, mesmo com tanto alarme tocando. Essa pausa é intencional e se torna complexa, à primeira vista. Quando lembro de montanha, também lembro de uma dificuldade que pode ser vencida. Lembro de uma suntuosidade geográfica. Um destaque. Um ser que é vivo, alto e bem alto. Com finalidades múltiplas. Finalidades que se auxiliam. Finalidades que nos convidam. Sim, vamos lá.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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