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Edivan Rodrigues

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A nuvem de Sebastião Nery

15/12/2009 às 21h19

Por Francisco Cartaxo

O baiano Sebastião Nery teve vida atribulada desde sempre. Desde que nasceu em Jaguaquara, em 1932, até hoje. Foi seminarista em Amargosa e mais tarde em Salvador. Tocado pelo amor, escapulia de batina para encontros nada ortodoxos com uma noviça, cujo olhar furtivo fuzilara seu coração de coroinha, em plena missa, que o amor não escolhe lugar nem respeita conveniências religiosas. E arma ciladas. Ele e ela, os dois, caíram numa armadilha da natureza, a gravidez a revelar o segredo, logo abafado pelo bem da família, da igreja e dos bons costumes.

O seminário deu a Nery a base de conhecimento que o acompanhou em suas andanças pela vida. E pelo mundo. Em Minas, ainda estudante, virou professor, comunista e vereador. Na Bahia, criou e manteve o Jornal da Semana para azucrinar o governador Juracy Magalhães (UDN), com o apoio discreto, porém efetivo, do ex-governador Antônio Balbino (PSD). Elegeu-se deputado estadual, apesar da prepotência, do poder corruptor de Juracy, das fraudes usuais nas eleições daquele tempo. Exemplos? Veja um narrado por Sebastião Nery.

“Fechadas as urnas, o juiz eleitoral de Santo Antônio de Jesus, ajudado por uma das pessoas convocadas na cidade para auxiliar a eleição, começou a redigir a ata a ser mandada ao TRE. Chegou a meu nome: Sebastião Nery, 160 votos. Parou.
Qual é mesmo esse número, minha filha?
160 votos, doutor juiz.
Corte o zero. Esse comunista não pode ter 160 aqui. O que o general Juracy vai pensar de mim?
O azar do juiz é que a moça trabalhava na Secretaria do Colégio das Mercedárias, dirigido por minha irmã, Madre Goretti. Soube no mesmo dia. Se isso aconteceu a 100 quilômetros de Salvador, imagino no alto sertão. Juracy mandou tirar votos meus como cerra do ouvido.”

Justo nessa época o conheci, quando cheguei a Salvador para estudar. Não votei nele. Votei em Ênio Mendes que, também foi cassado em 1964, pela Assembléia estadual. Os direitos políticos, todavia, só foram suspensos mais tarde, em 1966, por decreto de 4 de julho, o mesmo que puniu o paraibano Assis Lemos.

Episódios assim, e muitos outros, estão narrados, aliás, bem narrados, com humor e simplicidade, no livro de memórias de Sebastião Augusto de Souza Nery, ao qual ele deu o nome de “A nuvem” (Geração Editorial, 2009). A nuvem, o destino, a sorte, o acaso que lhe guia ao longo de sua agitada trajetória. Na verdade, mais de meio século de história do Brasil vivida por Nery. Escritor, colunista, repórter, comentarista político de rádio, televisão, fundador e deputado federal do PDT, ao lado de Brizola, com quem rompeu, ruidosamente, ao perceber que o gaúcho queria aplicar no Brasil as táticas peculiares aos caudilhos latino-americanos.

Mas o livro não é só história. Lá estão impressões de viagens, e ele as fez muitas, pelo Brasil inteiro, pelo mundo, como jornalista, adido cultural em Paris e Roma, sempre as voltas com grandes amores. Amores que ele protege em eloqüentes reticências, tal qual fez com o primeiro alumbramento quando ainda era seminarista em Salvador.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Edivan Rodrigues

Edivan Rodrigues

Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

Contato: [email protected]

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Juiz de Direito, Licenciado em Filosofia, Professor de Direito Eleitoral da FACISA, Secretário da Associação dos Magistrados da Paraíba – AMPB

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