header top bar

Gildemar Pontes

section content

A última nota de Ana Cláudia

20/02/2015 às 10h50

Em memória de Ana Cláudia Pessoa, que se despediu tragicamenteda vida neste carnaval.

Ela não faltou à última aula. Sentou como sempre no centro da sala, prestava atenção e ficava calada. Poucas vezes a vi tagarelando mesmo no intervalo das aulas. Era uma moça recatada e gostava de um garotinho da vizinha, que mostrava costumeiramente nas redes sociais. Certa vez perguntei se era seu filho, e ela disse “quem dera, mas é como se fosse”. Era assim que se mostrava, carinhosa e cuidadosa com as crianças.

Em dias de seminário ou prova não faltava. Também não me pedia favores. Era como as outras meninas de uma turma só de meninas. Mas a vida lhe impôs uma tarefa difícil. Seria possível estudar e vencer essa prova? Quantos não passaram por momentos difíceis e às vezes quiseram apenas uma palavra para desafogar angústias, desinchar mágoas. Parece que estamos fadados a ignorar os que sofrem, porque nosso egoísmo está sendo alimentado diariamente por uma máquina, que nos proporciona fotos, selfies, comentários, curtidas mascarando as dores anônimas de quem pouco conhecemos ou de quem muito vemos sem dirigir uma palavra na individualidade de vidas malogradas. 

Ana Cláudia foi minha aluna e fazia parte da mesma rede social que nos mostra e nos esconde. Por vezes, eu a via e ficava feliz pela sua presença em alguma leitura. Mas, depois que concluiu o curso de Letras, voltou para o seu mundo em sua Pombal. E não nos vimos mais. Com a notícia de que tinha escolhido faltar a principal prova e abandonar a vida, ficamos tristes, principalmente os seus professores e colegas de turma, com quem dividimos tanto tempo de nossas vidas. 

Ficamos com uma sensação de que a matéria que está nos reprovando e fazendo com que faltemos muitas aulas, O AMOR, está sendo substituído por alguma coisa muito egoísta, que nos faz perder horas a espera de reações às nossas postagens e não destinamos alguns minutos para ouvir a dor do próximo. 

Queria ter tido a oportunidade de ter dado mais uma aula a Ana Cláudia; de ter explicado tantas vezes quantas fossem necessárias a importância de amar sem perder o amor próprio; de poder ter feito mais uma avaliação e dizer que não ligasse para nota. Afinal, uma vida não pode ser ignorada ou esquecida por causa de uma prova. Queria que Ana Cláudia tivesse perdido essa última prova, para que ela pudesse fazer reposição e não deixar esse vazio em nós.

Gildemar Pontes

Gildemar Pontes

Escritor e Poeta. Ensaísta e Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, em Cajazeiras. Graduado em Letras pela UFC, Mestre em Letras UERN. Doutorando em Letras UERN. Editor da Revista Acauã e do Selo Acauã. Tem 22 livros publicados e oito cordéis.

É traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Vencedor de Prêmios Literários locais e nacionais. Foi indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005, o principal prêmio literário em Língua Portuguesa no mundo. Ministra Cursos, Palestras, Oficinas, Comunicações em Eventos nacionais e internacionais. Faixa Preta de Karate Shotokan 3º Dan.

Contato: [email protected]

Gildemar Pontes

Gildemar Pontes

Escritor e Poeta. Ensaísta e Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, em Cajazeiras. Graduado em Letras pela UFC, Mestre em Letras UERN. Doutorando em Letras UERN. Editor da Revista Acauã e do Selo Acauã. Tem 22 livros publicados e oito cordéis.

É traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Vencedor de Prêmios Literários locais e nacionais. Foi indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005, o principal prêmio literário em Língua Portuguesa no mundo. Ministra Cursos, Palestras, Oficinas, Comunicações em Eventos nacionais e internacionais. Faixa Preta de Karate Shotokan 3º Dan.

Contato: [email protected]

Recomendado pelo Google: