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Cristina Moura

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Alice

19/11/2021 às 19h49

Coluna de Cristina Moura.

Por Cristina Moura

A primeira vez que cheguei ao País das Maravilhas foi por um livro de bolso da Ediouro. Pelas características da série, imagino uma edição da década de 1960. Talvez eu tivesse uns sete anos de idade, pois lembro que conseguia ler e pensar no que lia. Lembro de uma ilustração bela, em preto e branco, com a cena da garota Alice obedecendo aos bilhetes que encontrou numa sala. Num pedaço, ela aumentava de tamanho; no outro instante, diminuía cinco vezes mais que o dobro. Gostei desse efeito. Começava ali a minha aproximação com os aspectos filosóficos da Literatura e da História, sem de longe sonhar que o inglês e autor do clássico, o professor Charles Lutwidge Dodgson, que assina Lewis Carroll, era matemático de formação. Como pastor anglicano, também estudava Teologia e Filosofia. E nada é coincidência.

Quem disse que eu consegui ler a obra toda, linda, num fôlego, está enganado. Meu cérebro de menina era pouco elastecido para compreender toda a ramificação de um jogo de cartas associado à vida. É realmente o nosso país interno, repleto de tantas paisagens maravilhadas com elas mesmas. A menina vai nos guiando nesse conjunto de labirintos. Cada personagem que ela encontra, aos pulos, provoca uma senha para sair de uma cilada. Às vezes, há outros personagens que aparecem, para enriquecer e confundir o panorama. Assim é o mundo do aspecto maravilhoso na literatura: ao passo que encanta, desconfia; ao passo que atrai, expulsa. Tem que nos laçar, claro, de modo adocicado, com suas facetas e frases.

De repente, aparece um gato. Simpático, amigável. Desaparece. Fica somente o sorriso do felino. Fica em algum momento. Fica pendurado no ar, nas árvores, no meio do tempo. Vira palavra, letra imaginária, pergunta. Aparece. Desaparece. Em determinada cena, surge uma lebre, apressada, preocupada, temendo algo estranho. Ora, mas tudo ali é estranho. Muitos dos cenários são insólitos, beirando o inexplicável, como a gigante Lagarta, sem se envergonhar de estar quase bêbada, sentada num cogumelo que assombrou o olhar da pequena narradora.

Mais à frente, e como se esperássemos essa apoteose, vemos um pomposo exército de cartas, de um baralho imenso. Todos organizados num gramado, enfeitado com arbustos e tufos de flores. Não era um lugar qualquer. Era o jardim real. E a Rainha de Copas estava lá, urrando aos soldados, para testar a atenção de todos os participantes. Ordem, um, dois, marchando, um, dois, vamos, temos que vencer, vamos, todos os naipes. Nem era uma guerra, mas uma apresentação. Comecei a entender, de forma ainda superficial, o conglomerado de vozes cheio de pistas, becos e cifras de um universo nascido em 1864, num solo fértil de máquinas e descobertas. Percebi, depois, que era um recado, em forma de coreografia numérica, ao grande reino da Inglaterra.

O Chapeleiro, de tocaia, relembra o que estamos fazendo, de qualquer forma: a festa pela sobrevivência. Vamos comemorar. Vamos nos divertir. O autor, de forma indireta, imprime questões ao nosso estado consciente povoado por outros informes, símbolos e fantoches. No final, pode surgir, sim, o recurso do sonho. Excelente. Salva a todos nós de um possível fundo de verdade em qualquer pensamento ultraveloz. Pronto. Hora de pisar no chão. Não é todo buraco de coelho que abriga um portal mágico. Que alívio. Chegamos. Estávamos apenas dormindo.

E como é bom saber que as aventuras da pequena inglesa resistem e foram traduzidas para mais de cem idiomas. O poder da Literatura é admirável. O mundo inteiro conhece a amiga Alice. A cada dia de releitura da obra, percebo o resultado do encantamento do autor com a máxima de Pitágoras, aquela que vem, em sopro, com o cotidiano. Todas as coisas são números, disse o mestre grego. Todas as coisas são números. Tema que nos vale uma sincera e calorosa reflexão. Vamos ao chá da tarde.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

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