Alugo-me para o Dia dos Namorados
Por Abraão Vitoriano
Você deve estar estranhando o título desse texto. Das duas, uma: ou padeço de algum distúrbio ou perdi o trem das 11 – salve, salve, Adoniram Barbosa.
Mas já que chegou até aqui, eis a razão pela qual essa crônica não foi publicada no dia 12 de junho: o massacre a mais de cinquenta pessoas na boate gay em Orlando. Perdi, realmente, a noção de tempo e espaço, a crença na humanidade e, deste modo, a inspiração para escrever.
O que aconteceu para motivar-me de novo? Uma noite com amigos. Na mesa, quase todos estavam acompanhados e mesmo aqueles “sozinhos”: eram comprometidos. Resultado: apenas eu, naquele lugar, cidade, estado, região, país, continente, planeta e espaço sideral estava solitário – “estava”, por se tratar de uma cena transcorrida, porque prioritariamente sempre “estou” sem ninguém; minhas companhias fiéis: uma garrafa de aquarius fresh limão e um tic-tac azul, assim preparo a boca para um beijo o qual nunca se estreia.
Uns chegam a afirmar que sou seletivo demais, falam da receita de curtir a vida sem analisar tanto, a máxima de viver o momento. Acatando esses conselhos, imaginei o meu perfil na página de classificados: “Rapaz solteiro aluga-se para o Dia dos Namorados. Promete ouvir e cantar músicas de Ana Carolina, dormir de conchinha; demorar nos cafunés; mandar mensagens autorais e menos Ctrl+C – Ctrl+V no WhastApp; andar de mãos dadas, fazer suco de abacaxi com hortelã, dizer “mô” – “bem” – “neném”, dobrar os lençóis e ir a qualquer lugar num estonteante sorriso.”
Porém, quanto cobraria? Talvez uma centena de beijos, afagos. Talvez ser olhado nos olhos, bem rente, bem fundo. Talvez olhar para o céu e “brincar de fazer desenho em nuvem”. Talvez permanecer nus na cama a gastar o tempo, a sentir a toda a existência. Talvez, isto ou permitir o instante acontecer na ponta dos dedos, no sumo dos lábios, nos suores e eternidades. Entretanto, e o contratante, aceitaria de bom grado tais condições?
Na era dos likes, amor designa espécie rara – como para os Portugueses, os produtos da Índia. A maioria se define “disponível” e eu ainda acredito em estar “disposto”, em comungar de ideias e na palavra, lastimavelmente banalizada por alguns, “construir”. E se alguém estiver disposto a alugar-me, também posso estender para os feriados, férias e dias úteis e, antes que repercutam meu romantismo, “por toda uma vida”.
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