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Abraão Vitoriano

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Amor próprio

08/11/2015 às 16h29

Assim que escrevi o ponto final da nossa relação, voltei para a casa e caí na cama num pranto colossal. Chorei alto, chorei baixo, solucei, silenciei. Na minha cabeça, um filme de cenas simultâneas: a ocasião que nos conhecemos, a temporada das flores, os galanteios e demonstrações públicas de afeto. De onde vieram as avalanches de acusações, as insinuações perversas, as cobranças que mais se assemelhavam a um dedo no gatilho? Quem de nós permitiu emergir a desconfiança, a ferocidade, a ligação na cara? Quanto mais pensava, quanto mais girava de um lado para o outro – amarrotando as cobertas, as paredes do meu coração se encolhiam. Respostas, definitivamente, não reverteriam nada, não mudariam as coisas de lugar. Mas como sair dali, ainda sendo eu?

Apelei por fórmulas mágicas, recorri a mantras, tirei a barba, cortei o cabelo. Nada surtiu efeito. Optei por tarefas práticas: arrumar o armário, lavar louça, corrigir provas. Bobagem. Meu medo era de uma recaída. De não resistir, não segurar minha palavra, pegar o celular e trocar o ponto final por uma vírgula ou reticências. As reticências que nunca soube utilizar, ansioso que sou pelos próximos capítulos. Escutei conselhos: – um namoro é assim, mais momentos de dificuldades que de felicidade, a gente tem que perdoar se quiser viver, viu?. Ouvi repetidamente Moska. Li Lya Luft nos segundos de melancolia.

De modo algum imaginei que as respostas, e também a minha capacidade de superação, se segredariam no próprio espetáculo do viver. Viver, dia após o dia, com a distância necessária, com posse da delicadeza: para entender que havia mais drama que trama, que cada era um responsável por si, que não existiam culpados, que amor que faz mal – poder ser qualquer outra – menos amor. Porque amor não se nomeia, não se exaspera, não se digladia. Amor é menino descalçado sentado na janela do tempo: sereno e pleno. As lágrimas que rolaram, quando disse adeus a nós, eram dois pontos: centelha de amor próprio, vontade de existir. 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Abraão Vitoriano

Abraão Vitoriano

Formado em Letras e Pedagogia. Pós-graduado em Educação. Escritor. Poeta. Revisor de textos. Professor na Faculdade São Francisco da Paraíba e na Escola M. E. I. E. F Augusto Bernadino de Sousa.

Contato: [email protected]

Abraão Vitoriano

Abraão Vitoriano

Formado em Letras e Pedagogia. Pós-graduado em Educação. Escritor. Poeta. Revisor de textos. Professor na Faculdade São Francisco da Paraíba e na Escola M. E. I. E. F Augusto Bernadino de Sousa.

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