Angústia do vestibular
Por Francisco Cartaxo
A angústia se mistura no tumulto que se forma em frente ao portão da Universidade, escondida naquele burburinho, as agruras individuais acomodadas em disfarces coletivos, partilhados por feras, familiares, amigos, aderentes de todos os tipos. O nervosismo aflora em múltiplas faces. Uma mãe recostada na parede, solitária, deixa escorrer lágrimas, o terço na mão, a crença no valor da prece. Quando nada para acalmar-se. E assim transferir ao filho a necessária tranqüilidade na hora decisiva. Eu vi. Tive vontade de lhe dar o lenço. Não, não dei. O gesto poderia violar a intimidade da alma.
Vi também reza coletiva em plena rua, as pessoas em roda de orações, cada quem retirando das entranhas do espírito a expressão do sonho. Tudo ali, próximo ao portão de entrada da Faculdade. Eu observei muito mais. Indiferente, bem juntinho, um casal de feras derramando-se em beijos e abraços, as mãos a deslizar nos cabelos, nos ombros, nos rostos, na massagem no pescoço, ele de olhos fechados, ela absorta nos toques sutis do amor. Vi e ouvi muito mais. A meu lado, saiam sucessivos “ta ligado, velho”, aplicados a torto e a direito, em borbotões, a voz alta, incontrolável, tentando sobrepor com o tom o peso da concorrência. Da estúpida competição em que se transformou o acesso à Universidade.
Notei muitas outras manifestações de ansiedade e angustia. Só por fora. Impossível enxergar dentro da alma de cada um. Avalio apenas. Talvez projeto minha própria angústia, talvez, agora que, 20 anos depois, retorno às portas da Faculdade para dividir com minha filha adolescente, agruras parecidas, vividas quando os três filhos do primeiro casamento passaram por semelhante teste. Hoje mais complicado, muito mais competitivo. Aqui no Recife, pior ainda, com o vaivém ENEM pairando na cabeça de rapazes e moças.
Haverá final feliz? A batalha do vestibular deixa seqüelas. Poucos gozarão a alegria do sucesso. Na opção por medicina da Universidade de Pernambuco (UPE), por exemplo, a concorrência é brutal. De cada 33 pretendentes, um logrará aprovação! Aos outros 32, estará a experiência adquirida. Para acesso aos cursos das universidades paraibanas,a competição é menor, mas existem outras fontes de inquietação, pelo que li na mídia impressa e eletrônica. Parte dos 3.555 feras que compareceram ao campus de Cajazeiras teve que enfrentar, junto com amigos e parentes, o despreparo da cidade para receber tanta gente. Bobagem, a angústia se acha na dentro, na sala.
No entanto, a dor que dilacera a alma é a dos retardatários. Esbaforidos, alguns ainda vêem o portão fechar-se quase ao alcance das mãos no inútil apelo ao carrasco, posto ali para impedir-lhes o sonho. Resta o consolo do desabafo: “gente, eu estudei o ano todo, 8 horas por dia, ta ligado, não pode, cara, não posso acreditar, logo comigo que tento pela quarta vez, ta ligado?” Cena cruel. Com direito a registro pelo repórter que, sem intenção, fornece aos não classificados o consolo de saber que a angústia maior é encontrar fechado o portão da Faculdade.
Sucesso e tranqüilidade a todos os que sofrem a angústia do vestibular 2010.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário