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Cristina Moura

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Belezuras e caracóis

17/04/2021 às 21h29

Coluna de Cristina Moura.

Por Cristina Moura

Teclado: o fazedor de receitas mirabolantes ou o representante da evolução tecnológica da palavra escrita. O autor do resumo do resumo da letra cursiva ou o vendedor das facilidades. Teclado, eis-me aqui. Eu poderia definir ou classificar minhas confabulações sobre o rei das teclas. Mas, minhas definições, às vezes, beiram o abstrato demais. Então, não seria definir, mas abstrair. Calma. Para meu mundinho secreto, pode existir, sim, exatidão na abstração. Há, sim, o que se pensar: cada reticência é formada, justamente, por três pontos.

Nas primeiras séries da escola, até o final do Ensino Médio, minha letra fazia gosto. As letras maiúsculas eram um pouco desenhadas. A letra inicial do nome Ivânia tinha um traço reto nas pontas de cima, coisa de meio centímetro, horizontal e vertical, e arredondava na base da linha, puxando uma meia curva para dentro. A maioria maiúscula guardava um cuidado especial, um mimo comigo e com quem lia. Lembro que a letra D começava na parte de cima da linha, um pouco curva, descia para a base, curvava como se fosse fazer um oito e voltava para se aproximar com a reta e fazer uma grande curva. Era proibido colar essa curva com a reta inicial.

A primeira letra do meu primeiro sobrenome, Lima, era outro exemplo de adornar o trabalho. Ainda faço uma tentativa, mas nada se compara às primeiras escritas na fase de alfabetização e formação da personalidade. A letra começava no alto, entre uma linha e outra, curvava um pouco, subia de novo e descia numa linha reta; em seguida, curvava de novo e seguia quase reta, para se curvar e fazer uma espécie de caracol. Que lindo.

A primeira letra do alfabeto, a fundamental precursora do meu planeta de leituras e escritas, ganhava caracóis nas duas pontas, ou seja, curvas fechadas. Pois é. Tudo isso se perdeu com esse objeto que estou manipulando: o teclado. Ao me transformar em repórter, mesmo com o gravador me auxiliando, sempre gostei de rascunhar e escrever o que o entrevistado dizia. Foi aí que o caso degringolou. Comecei a inventar uns códigos, já que o tempo da fala é muito superior na rapidez, em relação à escrita. Garranchos terríveis se alojaram na minha atividade diária. Teclado, você é todo culpado, mas grata por existir.
Outra coisa que percebi, e algo não planejado de forma alguma, foi o tamanho da letra. Diminuiu, e muito, independentemente do tamanho do papel. Um bando de formigas. Como sempre gostei de minicadernos, as chamadas cadernetas, e muito antes de ser jornalista, parece que coloquei a letra condicionada àquela miudeza. E, então, todos aqueles caracóis, curvas, belezuras e arabescos das letras cederam espaço ao ponto reto.

Percebi, depois, que a letra, quanto mais clara, sem enfeites, é melhor para o aluno, por exemplo, ler no quadro. Fui me adaptando à vida de professora. Algumas letras minúsculas logo trataram de perder os ornamentos. A última letra, sendo minúscula, é uma pequena marca do herói Zorro, ligeira, em cima da linha, sem espada ou máscara.

Mas os pontos continuam sendo pontos ou pingos nas letras tratadas desta forma. Nada de bolinha. Minha cisma com bolinha é grande, principalmente quando estou corrigindo redações de alunos do terceiro ano. Alguns candidatos não se contentam com o pingo e fazem um monstro redondo ou coração; o mesmo tratamento errôneo se dá com interrogações e exclamações. Respiro fundo. Faço um círculo, passo um marca-texto bem gritante e ainda escrevo um recado carinhoso. Essa é a vida: tem de tudo.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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