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Abraão Vitoriano

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Carências e escudos

24/09/2016 às 11h21

Estou no ônibus a caminho de casa, ouço Legião e, subitamente, um verso arrebata-me: “O mal do século é a solidão, cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição”.

Tradução literal dos tempos líquidos, do amor parcelado em 12 vezes e com 80% de desconto. Aumentaram as formas de comunicação, minimizaram os diálogos. Sites e apps classificam os sujeitos por altura, peso, crença religiosa, preferências sexuais, distância entre os usuários. Uns dedicam-se a conquistar um número expressivo de pessoas, depois somem ou respondem monossilabicamente, pois alguém criou esta moda que demonstrar carinho, além de piegas (e esta palavra já é piegas por demais), aparenta ser fácil – fácil, deste modo, equivale a ser recíproco.

Realmente, “o mundo está ao contrário e ninguém reparou”. As filas de solteiro têm dado largada, não por “opção”, motivadas na maior parte por “proteção”. Ninguém tira seus escudos para se envolver livremente. Vivemos um baile de máscaras eterno. Todos reclamam da ausência de gente para sair, jogar conversa fora, se apaixonar. Contudo, na primeira oportunidade de estreitar laços, the end. É proibido relevar interesses. É proibido ligar no meio da noite e dizer que está com saudades. É proibido olhar dentro dos olhos, acender a chama e navegar sentimentos. É proibido imaginar o amanhã em par, com perfume e canção. É proibido sentir, lastimavelmente.

Vale ostentar em público, lagrimar carências no quarto. Falar de desilusões, até pode, desde que enuncie uma maneira de se mostrar curado, invencível. Um bobo teatro, já que profundamente, são as borboletas no estômago que nos apetecem, o toque revestido de ternura e ardor, a boca, o vórtice, os pés colados nas noites frias. Magistralmente carentes, nossos escudos, ingênuos e esdrúxulos.

A despeito disto, os versos do Magiezi: amor é mar/ não me contento/ em molhar os pés.

Abraão Vitoriano


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Abraão Vitoriano

Abraão Vitoriano

Formado em Letras e Pedagogia. Pós-graduado em Educação. Escritor. Poeta. Revisor de textos. Professor na Faculdade São Francisco da Paraíba e na Escola M. E. I. E. F Augusto Bernadino de Sousa.

Contato: [email protected]

Abraão Vitoriano

Abraão Vitoriano

Formado em Letras e Pedagogia. Pós-graduado em Educação. Escritor. Poeta. Revisor de textos. Professor na Faculdade São Francisco da Paraíba e na Escola M. E. I. E. F Augusto Bernadino de Sousa.

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