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Cristina Moura

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Chega a vírgula

24/12/2021 às 18h53

Coluna de Cristina Moura. (Imagem ilustrativa).

Por Cristina Moura

Chega aqui a bendita vírgula, enfeitando minhas ideias, assanhando meus cabelos, dizendo poucas e boas à sabida professora de Língua Portuguesa. De vez em quando, esqueço algumas coisas, relembro de outras que não quero, ainda falo o que não devo. É falta de calma mesmo. É o barulho do cotidiano, berrando horário e pressa como um trombone metafísico.

Cometi um deslize às normas da pontuação. Foi feio. Um amigo acolá diz para eu não me preocupar. Mas me preocupo sim, pois meu ofício, além de escrever, é explicar e compreender cada regra. Mesmo não concordando, aceitar o momento em que foi criada a regra. Mesmo até não aceitando, respeitar o contexto em que ainda é aceita e seguida cada regra. Esse é o mundo real da gramática. Tenho que visitá-lo sorrindo, bem direitinho, de verdade, para não esquecer.

Eu, criança, ali nos meus sete anos, achava lindo saber conjugar nos devidos tempos verbais. Ainda acho, como tantas outras belezuras da língua. Mas é um eterno desafio ouvir de um aluno, no primeiro dia de aula, que detesta a disciplina, que tem que decorar isso e aquilo, que redação é um saco. Essa suposta sinceridade faz com que eu tenha que provar, gota a gota, a essa gente jovem, que todas as outras disciplinas dependem de uma boa interpretação de texto. Dependem do português. Dependem de uma senhora leitura.

Gosto de explicar que a língua é modificada de tempos em tempos porque tudo isso somos nós mesmos. Eu poderia falar assim também: porque tudo isso é nós mesmos. Na primeira opção, adequei o verbo ao pronome pessoal; na segunda, ao pronome indefinido. Veja que jogo descolado. Sim, podemos jogar. Podemos descobrir onde está a elegância.

Precisamos entender a origem do nosso idioma e perceber como ele chegou ao que representa em nove países e em outras comunidades falantes e não oficiais. Muitas vezes, a aluna não gosta porque não sabe a história, não entende os porquês da nossa mistura de cores em forma gramatical, em forma de úteis dicionários, em forma de inúmeras vozes, em pedaços e ritmos de canções tão belas e marcantes. Tem uma riqueza em casa e nem sabe.

Na crônica anterior, fiz uma combinação que pode soar como algo estranho, mas foi consciente. Veja: “Cada pedaço de linha daquelas camisas, cada cheiro de metal daquelas medalhas e troféus, cada documento guardado, apenas, à primeira vista, parece uma questão material.” Eu poderia ter feito o plural: parecem uma questão material. Estou falando de três sujeitos: pedaço, cheiro e documento. Mas resolvi falar do conjunto. Por isso, a próxima frase lembra bem esse pensamento, quando digo que é mesmo uma coleção. Observe o galanteio. Posso deixar subentendido que tudo isso ou cada item parece uma questão material. Tudo é uma só questão. Até agora, tudo bem.

O problema gramatical do texto, no estilo de quebrar a vidraça, aconteceu no quarto parágrafo, segunda frase. Olha: “Digo isso porque me emocionei, como se tivesse recebido um enorme presente, do meu professor, amigo e colega radialista Reudesman Lopes.” Pronto. Não era para existir essa vírgula depois do meu objeto: presente. Fiz uma separação desnecessária do adjunto adnominal e seu complemento. Depois de professor, sim, correto, pois virão outros adjuntos: amigo e colega. Parece um simples equívoco, mas foi na ultrapassagem que meu coração apertou.

Amanheci com a certeza de que o Museu do Futebol queria aparecer noutra crônica. Merece mesmo mais de uma e tantas quantas forem possíveis. Hoje teve que ser desse jeito, assim, pedindo desculpa, acanhada, punindo minha aluna interior e mandando que ela estude mais. Sempre e sempre com aquele amor imensurável à nossa querida Flor do Lácio. Feliz Natal de novo.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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