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Anahuac Gil

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Cópia virtual é real?

16/10/2023 às 09h26

O intangível não é irreal. Apesar de não se poder tocar, cheirar ou saborear, o intangível é real. As lindas melodias de uma música são intangíveis, ou seja, não se pode pegar e guardar, mas se ouve e gera sensações, emoções, sentimentos e afeta nosso estado de espirito. O mesmo vale para as cores e paisagens.

A humanidade sempre buscou formas de armazenar essas percepções não materiais para poder repetir a experiência sempre que desejasse. Assim surgem as tecnologias de aprisionamento do intangível. Esculturas religiosas tem essa função. Assim a tecnologia artesanal evolui permitindo aos seus artistas exprimir toda sua fé na pintura, escultura e arquitetura. Esses objetos são como recipientes do sentimento do autor e também das sensações que elas são capazes de provocar.

Essa habilidade de armazenar o imaterial em algo material sempre foi considerado um poder. As imagens e objetos religiosos davam poder a seus donos e foram amplamente utilizadas por reis e rainhas e essencialmente todas as religiões.

A invenção da prensa tirou o poder da Igreja Católica de ser a única replicante da Bíblia. Antes de se poder imprimir quantas cópias se desejassem a Igreja detinha o poder de fazer as cópias manualmente e distribuir essas cópias para quem ela determinasse. A prensa acabou com esse monopólio. Não só se podia distribuir mais Bíblias, como também não havia como impedir sua tradução para todos os idiomas.

Nesse sentido a fotografia também foi um salto tecnológico imenso porque não era necessário ser um artista, ter o dom da transcendência emocional e a habilidade manual para criar um objeto que pudesse servir de recordação e também gerar emoções. Bastava ter a máquina para fazê-lo. A extrapolação do imaginário humano já definiu a fotografia como a “captura da alma”, como uma “cápsula temporal” e até mesmo como algo diabólico, mas o seu maior impacto mesmo foi a facilidade, rapidez e economia para se fazerem cópias.

A ideia de se poder reproduzir milhares de cópias idênticas de forma rápida e barata revolucionou o cotidiano. Pode-se enviar recordações de momentos especiais para toda a família e amigos distantes.

Mas cópias materiais tem custos. Primeiro há o material envolvido, como papel e químicos de revelação nos casos das fotografias. Há também o custo humano de fabricação das cópias, além do custo de distribuição. Essas cópias precisam ser enviadas fisicamente para seus destinatários. E todos esses custos são escaláveis, ou seja, quanto mais se fazem cópias, maiores os custos.

Mas há também o custo de propriedade, de autoria. Quem produziu a obra original merece ser remunerado de alguma forma ou ele não poderá sobreviver de sua arte e não poderá continuar a usar sua habilidade, seu dom para criar novas fotografias que encantam milhões. A mesmo lógica se aplica aos pintores, músicos, escritores, atores e essencialmente todos os que podemos considerar como artistas.

Mas como estabelecer propriedade sobre algo intangível? Não se pode impedir uma música de ser cantada livremente. Pode sim.

A lógica capitalista entorta até o mundo etéreo para poder ganhar dinheiro. Se propriedade é algo material e físico que pode ser contido e tem valor, então as ideias também podem. E numa licença mais que poética eles inventaram a “água seca”, a “luz escura”, a “altura baixa”: chama-se Propriedade Intelectual.

Inclusive colocam o Estado para cuidar disso através do sistema de marcas e patentes. Agora ideias, sons, e até movimentos podem ser previamente designados a um autor que passa a ter o direito de impedir que outros os usem, reproduzam ou comercializem. A desculpa inicial é boa: temos que garantir que os autores e produtores tenham sua remuneração garantida para poder produzir mais. Inicialmente as ideias ficavam protegidas por 3 anos.

Mas desde quando o capitalismo esta interessado em proteger os interesses dos trabalhadores? Assim o sistema de Marcas e Patentes serve a seu propósito de vender permissões de uso sob licenciamento. Essencialmente paga-se pelo direito de usar a ideia e essa permissão pode ser copiada e vendida milhões de vezes sem custo algum, gerando riquezas enormes a partir de um único trabalho. Atualmente o poder do capital vem estendendo o prazo de proteção, e obras como os desenhos da Disney já vão com mais de 50 anos e nada indica de que vá acabar.

A ganância humana em sua forma mais horripilante.

Entende-se naturalmente que quando se transfere a propriedade de algo para outra pessoa, a pessoa que a transferiu, perdeu o bem em questão. Mas quando se trata do imaterial, não há perda alguma para o fornecedor. Richard Stallman resume isso de forma brilhante: “Se você tiver uma maçã e eu também tiver uma outra maçã e nós trocarmos de maçãs, cada um de nós continuará com uma maçã. Mas se você tiver uma ideia e eu também tiver uma outra ideia e nós trocarmos ideias, cada um de nós passará a ter duas ideias”.

Os códigos de computador não são diferentes: ao copiá-los o autor original não perde nada. Mas o capitalismo se encarregou de criar as leis e órgãos de controle para se certificar que ninguém esteja usando uma “cópia pirata” e paguem pelas suas licenças de uso gerando seus bilhões de dinheiros.

Pirataria não é mais a ação dos antigos corsários atacando navios, foi redefinido como a ação de copiar e reproduzir produção intelectual sem pagar as licenças. Um conceito amplo e medonho criado para gerar medo nas pessoas. Sem nenhuma clareza sobre seu alcance, forma e punições, todos ficam à mercê da interpretação das leis confusas que podem ser aplicadas sobre quem a comete. É o famoso FUD: medo, incerteza e dúvida, que gera uma resposta social de insegurança, fazendo com que as pessoas evitem de fazê-lo, mesmo sem ter certeza do motivo exato.

Eu prefiro um mundo onde podemos trocar ideias livremente para o bem de todos sem medo de ser preso ou processado. Tenho alma de corsário! Será?

Anahuac Gil

Anahuac Gil

Nerd, Professor de Tecnologia da Informação, escritor, consultor independente para tecnologias livres mantenedor do primeiro servidor Diáspora no Brasil – DiasporaBR.

Especialista em instalação e suporte de servidores de E-mail Zimbra/Carbonio e Clusters de alto desempenho para sites de notícias.

Contato: [email protected]

Anahuac Gil

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Nerd, Professor de Tecnologia da Informação, escritor, consultor independente para tecnologias livres mantenedor do primeiro servidor Diáspora no Brasil – DiasporaBR.

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