De tarde eu ouvia Chico Buarque
No aniversário de 60 anos de Chico Buarque a Revista Acauã lançou um número especial, com direito a entrevista realizada com o cantor, em Fortaleza, num dia emocionante, quando eu e o escritor Rinaldo de Fernandes ficamos cara a cara com o ídolo, o ícone da MPB que criara tanta afinidade com a poesia que chegou a ser alcunhado de o poeta da MPB.
O Chico se mostrou simples, cortez e me fez pensar nas relações que temos hoje em dia entre as pessoas no trabalho, no lazer e nas redes sociais, sempre mediadas por imensa hipocrisia. Naquela ocasião, a Revista Acauã foi dedicada integralmente ao cantor, compositor, músico, poeta, ficcionista e teatrólogo Chico Buarque de Hollanda. Fiz um conto ambientado numa das casas em que morei, em Fortaleza, quando minha mãe, ainda viva, ouvia as canções que embalavam minhas tardes e formavam minha consciência musical. Era um conto triste, mas muito representativo de uma estética da angústia existencial que povoou muitos escritores na década de oitenta.
Neste ano, quando o menestrel completa 70 anos, relembro minha adolescência, minha mãe, o Chico das medidas do Bonfim, do não me valeu, das mulheres de Atenas, das minhas meninas (onde é que elas vão?), de todo sentimento, embotado em lágrimas, de tanto amar, eternamente em meu colo. Eu catava a poesia de Chico Buarque e fazia um tapete de versos para sobre ele fazer minha canção. Eu não aprendi a ser duro, bater nas pessoas com a ingratidão, porque a vida já encontra muitas formas de nos punir. Somos nossos algozes disfarçados, somos nossos próprios abismos. Tornamo-nos ignorantes em quase tudo e perdemos a essência das bondades mais simples. Deixamos de ser felizes para sermos aplaudidos pelos selfies que postamos nas redes sociais. Valorizamos mais as curtidas do que os abraços. Esquecemos de cantar as canções que nos tocam a alma para permitir o estupro mental da mídia imbecilizante que impõe valores apodrecidos pela ética da miserabilidade cultural.
Talvez o Chico necessário, o que me fez sentir muitas vezes o nó na garganta, foi aquele que ouvi entre os anos de 80 e 90. Tive pouco tempo para repeti-lo nas tardes de ultimamente. Meu tempo está tomado de trabalho e de sonoridades absurdas, a anti-poesia da vida que nos cerca de dureza e efemeridades.
Preciso visitar minhas tardes poéticas de antanho. Preciso orar aos deuses daquele tempo. Um cantava, outro tocava, outro recitava, outro lutava para que o hoje não fosse nem de longe parecido com o que é.
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