Diálogos poéticos
Para a minha Psicóloga Mary Luce de Carvalho
A consciência. As palavras. A arte. E eu naquele corredor lotado, naquela tarde faiscante de sol. A minha mania de colecionar problemas. O exercício compensatório da auto-tortura. O menino. O homem. Os muitos. E tu, que emprestavas ao mundo uma gota de esperança, olhava-me dentro e segurava as minhas aflitas mãos com “isto vai passar”.
Relutei. Desacreditava, pois não estavas ali: no pântano que chamava de alma banhado de inúmeros descaminhos. Chegastes com a força, devagar pelos cantos; com tal serenidade que assustava. Apresentou-me o prumo, incendiou certezas, soube cantar recomeços. E ainda que arredio, desconfiado, segui, porque continuar era o modo de estar vivo.
De ti, o assumir Artista, o perceber a minha racionalidade, o juntar fatos e pronunciar equilíbrio. A minha natureza poética, profunda desde a infância, não possuía mais noção de ridículo, de aridez, de estranhamento. A normalidade, que sempre escalo por chegar, mostrou-se mais normal e além do que imaginava.
Embora sejas altiva, teus vestidos de tons claros e teu sorriso de encher o rosto, tem a simplicidade e o carinho pela minúcia. E sabes tocar o espírito. E sabes desinflar-me do desnecessário. Os aprenderes de nós. A existência de mim. O existir por mim mesmo e com outros. As tantas convicções de espelho minhas assim evocam, quando sentas na ponta do sofá, cruzas os dedos e provocas e meu Mas que linhas não preenchem mais.
O filtro. A densidade. O dizer não. Riscar as folhas dos manuais. Arrancar as páginas das agendas. Apertar play. Teus dentes largos. Tua franja de menina. Teu timbre que vem leve e afunda no cais e memórias de mim. Senão Mãe, senão Rainha, senão a Voz. Encara-me com pulso. Fala porque sabe. Flutua e volta ao mesmo mar. De ti: o meu sentir sem dor, o meu desabrochar, os primeiros passos após a corda, após o ermo poço. Das tuas asas a minha. Do teu abraço de palavras e reflexões que inspiram coragem. A consciência in construção de mim.
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