Eleição na OAB e Raymundo Faoro
Por Francisco Cartaxo
A eleição na Ordem dos Advogados do Brasil virou inusitada disputa. Jornais, rádios, televisão e internet refletem o clima de ansiedade, em noticiosos e matéria paga. Até outdoor tem sido utilizado. Por isso, especula-se a respeito de excessivos gastos na busca de ocupar os cargos de direções das seções estaduais da OAB. Pelo correio eletrônico chegam dezenas de mensagens de amigos da Paraíba, do Ceará e Pernambuco, embora eu seja apenas bacharel em direito, sem inscrição na Ordem. Só não há concorrência em dois pequenos estados, onde se formou chapa de consenso. Em alguns, a disputa assume conotação partidária bem mais intensa e nítida do que em anos anteriores. Até o governador teria cometido ato falho ao referir-se “ao nosso candidato”…
Por que tanto barulho? Notoriedade, respondeu um amigo, experiente advogado, que conhece por dentro as atividades da OAB no Brasil, dirigente que foi muitas vezes. Notoriedade que pode significar o caminho do acesso a cargos públicos no poder judiciário, no executivo e a postos eletivos em diferentes escalas. Até aí, tudo aparenta “normalidade”, afinal é assim na democracia. O estranho é o grau de acirramento da campanha este ano.
Em contraponto, isso me faz lembrar grandes lutas de caráter nacional, das quais a OAB participou, em momentos cruciais da história brasileira, sobretudo, para a conquista do estado de direito democrático. Aqui entra o gigante Raymundo Faoro (1925/2003), ex-presidente nacional da Ordem, talvez a figura mais expressiva de quantas se empenharam com ética, seriedade, competência e autoridade moral para garantir e realçar a sintonia entre povo e instituições.
Gaúcho, residente no Rio, foi ele convocado em 1.977, em plena ditadura, para presidir a OAB. Convocado? Isso mesmo. Naquele ano não houve disputa. Foram tirar Raymundo Faoro de seus estudos, ele que já escrevera uma das obras fundamentais para entender-se a sociedade brasileira: Os Donos do Poder. Faoro interpreta o Brasil de modo original e profunda. Foi buscar os traços de nossa formação política no longínquo processo de consolidação da sociedade portuguesa e sua adaptação à colônia. Os Donos do Poder é denso em conceitos, minucioso ao captar a realidade. Às vezes, enfadonho. No entanto, essencial. Não é leitura para a displicência da rede no terraço, a exemplo de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, para citar um autor, sempre lembrado quando se arrolam as contribuições fundamentais à compreensão do Brasil.
Outra notável contribuição de Faoro se deu no conturbado período de abertura política, como presidente nacional da OAB, entre 1977 e 1979. E logo em seguida, no balizamento constitucional da transição legal da ditadura para o estado de direito democrático. Foram dele os fundamentos da legitimidade da Assembléia Constituinte, tese que defendeu com a clarividência de seu saber jurídico, impregnado da privilegiada visão sociológica adquirida ao longo de muitos anos de estudo e de análise da realidade brasileira. E da militância na OAB. Que falta ele faz!
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