Exclamações e bolinhas ao vento
Um dos itens fundamentais para se dar bem numa redação de concurso é o cuidado com a pontuação. Isso nem é mais novidade. É apenas um lembrete. Não são poucos os textos em que me deparo com exclamações, uma chuva, uma ruma, um balaio. Se fosse somente o sinal conhecido, um traço na vertical com um ponto em cima da linha, até que eu conseguiria engolir. Mas, não. Há sinais inventados, aos montes.
É claro que a linguagem da internet é única, com regras próprias, que vão se modificando com intensa velocidade. Trata-se de uma área em plena ascensão, com estudos sérios e que não se deixam finalizar. Nesse poço de situações virtuais, a exclamação cresceu, migrou para um rumo exagerado. A utilidade do sinal, sabemos, serve para expressar um sentimento de espanto, alegria, surpresa, indignação. Podemos utilizar num aviso, num chamado, num pedido. Então, se estou alegre e quero demonstrar com uma ou tantas outras palavras, posso exclamar, sim. O sinal, somente um, revela o que quero no discurso. Pronto. Um. Basta um.
Vamos ao ambiente analógico. O autor do texto não se conforma, às vezes, e joga umas três exclamações. Outro tipo de autor, pode ser até o mesmo do primeiro exemplo, faz um desenho diferente: um triângulo isósceles com o vértice para baixo e uma bolinha em cima da linha do papel. Outro tipo de autor faz da trave um traçado sinuoso. Outro tipo de autor coloca um ponto ou uma bolinha abaixo da linha. Pois é. Na nossa língua, não me lembro desse sinal de pontuação no formato de uma bolinha, quase do tamanho de uma letra.
Quem já contou com redação por mim corrigida, percebeu meu olhar. Viu que não aliso. Circulo as exclamações desnecessárias ou repetidas. Preencho todas as bolinhas. Na cabeça de certo tipo de autor, bolinhas não são somente exclamáveis; também viajam nas letras i, jota e nos pontos finais, nas interrogações e nas reticências. O ponto-e-vírgula não escapa. Quando é aula em que se pode desenhar, aí vale qualquer forma geométrica e criativa possível. Tranquilo. Caso não esteja em foco essa ferramenta deliciosa da linguagem visual, vamos cumprir, portanto, o que manda o ritual do gênero pleiteado. Em se tratando de escrita para uma prova, teremos uma equipe treinada para apontar erros. A parte estética pesa para o candidato.
Certo dia, um texto enviado para vários blogs ou portais descrevia cenas exuberantes, personagens fortes. Não fosse pelo tanto de exclamação, eu teria me emocionado muito mais. Tudo bem, era uma crônica, algo mais descontraído. Mesmo assim, vi um milharal desidratado. Uma das cenas mais melancólicas. Acenei para comilanças que viriam a nascer, se o plantio estivesse saudável: pamonha, canjica, cuscuz, bolo, mingau.
Numa das minhas primeiras aulas sobre dissertação, escrevo cinquenta dicas sobre o tema. Apenas palavras-chave. No decorrer de, pelo menos, três encontros, vou explicando: o que deve ser evitado; o que nem de longe deve ser elaborado; o que é importante fazer. Alguns falsos leitores ou preguiçosos de carteira reclamam na minha cara e consideram esse meu plano uma espécie de ensaio para o terrorismo. Respiro fundo, miro bem na pupila do sujeito e digo que são as regras e que eu não as inventei. E ainda falo assim: o bom aluno é aquele que copia o que o professor está falando, ou seja, escreve o que não necessariamente está escrito no quadro, no livro didático ou num arquivo compartilhado por e-mail.
Não sei se fui tão boa aluna assim, mas esse treinamento me aperfeiçoou na vida futura de repórter. Uma pena eu ter jogado no lixo tantos blocos e cadernetas; eles me diriam uma série de coisas, uma centena de cristinas.
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