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Cristina Moura

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Flamboiã

07/01/2022 às 17h02

Coluna de Cristina Moura.

Por Cristina Moura

Entre as cores do caminho, vi um desenho vermelho em pontilhado. Pensei até que ia me cansar. Que nada. Nunca. Andei, andei. Avistei uns pingos florados com uns pingos pretos adornando a copa. Os folículos verdes, tão miúdos, grudados em hastes pequenas e finas, permaneceram em rebuliço com o vento. Dançaram. Pareciam se quebrar. Fizeram uma sombra. Fizeram um barulho discreto, com seus galhos e vagens. Fizeram segredo.

Flamboiã avisa a hora aos passarinhos. Chama. Repousa com os gatos. Abriga lagartos, lagartixas, aranhas e besouros. Escreve em verso e prosa, bota água na panela, embala o pedal da bicicleta, encanta o universo de quem passa. Também ora, reza, recita. Suplica que sejamos todos nós seus zeladores. Não duvido que musique baixinho, somente para aqueles que são bem sensíveis às forças da natureza. Tentei decodificar o ritmo e ainda não consegui.

Flamboiã segura o calor, segura o espanto, segura a inquietação, pede silêncio. Alastrou-se nos trópicos como um irmão querido, um velho conhecido, gente nossa, há séculos. Veio afrancesado, vestindo o nome flamboyant, com sangue colonizado africano. Tudo para nos soprar um pouco de poesia. Tudo para, no meio do cansaço, dizer que ainda é cedo, ei, espere mais um pouco, beba um cafezinho. Tudo para nos prender nessa tela pintada em diversos lugares, jardins, praças, canteiros, saraus.

Flamboiã clama por respeito. Sempre rompe a paisagem com sua rica sincronia com o espaço. Esbanja seus diversos tons de vermelhidão. Provoca. Vermelho vivo, vermelho menos vivo. Bordô, escarlate, vinho, carmim, cereja. Vermelho colorau. Outras árvores em volta, atentas, compõem o cenário e reverenciam o reinado em flores. Não existe preocupação, se despontar à beira de uma estrada. Se ali estiver, não foi acaso. Alguém mandado pelo tempo plantou, talvez com a intenção de despertar cronistas.

Fico achando, às vezes, essas coisas sobrenaturais de toda vegetação. Fico espantada quando vejo um flamboianzinho amarelo, laranja ou rosa, variações da paleta de cores divinas. Ornamentais tão perfeitas quanto as vermelhas. Esse meu susto é pela tentativa de descrição do belo, ainda inalcançável com estas palavras, com estes poucos caracteres. Talvez eu amenize essa angústia, ao pintar. Será uma forma de ficar mais próxima da minha lembrança, da minha admiração pela planta poética. Acrílica sobre tela: flamboiã, terapia. Flamboiãterapia. Pronto. Farei esse acordo artístico comigo mesma. Mais uma série.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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