Lá vem o entrevistado
Parece que eles combinaram. Todos os entrevistados do mundo que gostam de mastigar palito se reuniram. Fizeram um regimento. Aprovaram as normas. Pronto. Resolveram que, ao serem meus interlocutores, farão o possível para conversar mastigando esse bendito pedaço de madeira, que serve para retirar dejetos entre os dentes. Tudo para que eu aprenda a me concentrar na própria entrevista, não no entrevistado. Como assim, não sei. Sendo.
Meu calado desespero era a coisa engasgar o sujeito e a matéria entrar na seção policial. Sim, mas estava tudo normal. Ele não se importaria, jamais se importará. Se se engasgar e sobreviver, mastigará outro palito e conversará com quem quiser. Se for bem rápido, melhor. Parece que se achará o rei do número, um ser quase sobrenatural, o fenômeno do século, um cidadão disposto a caçar a onça e fazer dela uma confidente. Isso deve estar no regimento.
Outra suposta regra: mirar, olhar bem fundo para quem estiver mais perto, e triturar o palito. Rir também faz parte. Vai falando e rindo e triturando. Gerúndio. Nesse caso, minha paciência é tão exigida quanto a missão de extrair uma gota de lucidez da conversa. Ora, mas, para o entrevistado desse tipo, não há problema algum. Nunca. Deve pensar: vou mastigando o palito, primeiro no canto esquerdo, depois no canto direito. Deve supor: essa repórter não vai aguentar ao me ver fazendo isso, vai desistir da pauta, vai me agradecer e sair. Deve sonhar: um palito, dois palitos, três palitos.
Pois é. Mesmo com o buquê da tolerância esgarçado, a missão achava um jeito de enaltecer as flores. A matéria se cumpria. Um dos personagens estava na sua vida urbanoide, em seu pleno escritório, com seus redemoinhos colecionáveis, quadros e quadros na parede. Ambiente cheiroso: um quê de limpeza, um quê de saciedade, um quê de organização virginiana. Lugar tranquilo, passarinhos cantando em alguma árvore sobrevivente, um rol de cenas pueris na minha cabeça. Cristina em harmonia com o universo. Os quatro elementos em vigor, numa cadeia de sentidos, numa grande festa interna. Viva.
Mas, lá vem o entrevistado. Olha. Espia. Uma gentileza no semblante, riso ágil, camisa limpa e passada. Ao olhar de forma mais rente, e a aproximação não fez segredo, um palito completamente desgastado entre os lábios, para lá e para cá. O pequeno objeto aos frangalhos estava me dizendo o quão tolerante eu tenho que ser com o outro. Que cada um sabe de si. Que cada um faz do palito o que quiser. Que não importa quem pensar isso ou aquilo ou sem quilo.
Pensei, quietinha: quero terminar logo. Disse, para os meus devaneios: você veio aqui para obter as respostas, não observar um palito. Escolha. Respire. E foi com esse modelo estranho que comecei a aceitar mais as diferenças. Não quero garantir que aceitei geral. Não. É um desafio eterno. Que maravilha que não é só meu esse fardo. Isso me deixa mais leve. Leve, leve, levinha. Pequenina entre tantas verdades ou inquietações. Um fiapo de uma grande colcha de fuxico.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário