Meu amigo da Casa Norte
Por Cristina Moura
Com o meu primeiro salário de jornalista, trabalhando na Sucursal do Correio da Paraíba, em Cajazeiras, decidi investir num presente pra mim. Comprei meu primeiro violão. Fui à Casa Norte, toda ancha, e pedi pra ver uma peça que eu já namorava pela vitrine, há tempos. Seu José Adegildes, o proprietário do estabelecimento, era detalhista, caprichoso com suas novidades ou itens mais conhecidos. Naquele momento, estava eu entrando num clássico do comércio cajazeirense. Sim. Naquela esquina mais do que privilegiada.
Lá vinha ele, com seu bom-dia altivo, cabelos ralos e grisalhos, olhos meio esverdeados e brilhando com aquele calor sertanejo. Perguntei logo se ele fazia à prestação. Eu não podia comprar à vista, pois tinha outras obrigações. Conforme esperado, ele lançou aquela famosa pergunta: Você é filha de quem? Vibrei de emoção. Comprovei um dos resultados da nossa construção social, ao longo da História: a importância dos laços familiares. É sempre uma satisfação dar a resposta a qualquer pessoa. Sou filha de Adonias Moura, contador, e Ivanícia Lima, professora. Os olhos dele arregalaram, de surpresa. Parecia um pouco assustado, o dono da loja. Você é jornalista, tão nova, que maravilha, Deus abençoe sua caminhada.
Para Seu Zé, estava mais do que claro que eu pagaria certinho o acordo com os três recibos. E paguei. Que figura. Eu estava conversando com um dos pioneiros da radiocomunicação da cidade e, por consequência, da região. Um autêntico desbravador das publicidades radiofônicas. Surfista campeão das ondas invisíveis, tecnicamente falando. Somente por isso, de fato, eu sabia que era uma honra estar ali. Falei que também trabalhava na rádio Alto Piranhas e que colaborava com o jornal Gazeta do Alto Piranhas. Os olhos arregalados, de novo, com espanto. Como se eu estivesse de frente a um tio, que me dava conselhos. Muito bem, minha filha, você é repórter, está numa profissão bela, tome cuidado com as armadilhas, preste atenção no que vai dizer, fique longe dos malandros e aproveitadores. Nesse estilo.
Depois que me apresentei e falei onde trabalhava e de qual família pertencia, estava tudo certo. Dona Giselda, sua filha, colega da minha mãe, me conhece desde criança, eu disse a ele. Pronto. Foi conversa pra muitos violões. Mas, fiquei somente naquele, que considero o primeiro que comprei.
Começamos, então, uma boa amizade. Certa vez, ele se lembrou da compra e perguntou se eu ainda tocava alguma coisa. Falei que conseguia uns dedilhados, mas que os calos haviam sumido, por falta de estudo e prática. Sabemos que os calos são importantes, nesse caso, pois evitam dores no contato com as cordas. Mas volte a tocar, disse ele, porque é muito bonito quem toca um instrumento.
A Casa Norte passou a ser lugar obrigatório pra visita. Tranquila e feliz obrigação. De Seu Zé ganhei um pequenino filtro de barro. Guardo esse mimo com carinho e respeito. Se eu fechar os olhos, me lembro daquelas luzes coloridas das estantes. Quando eu passava naquele trecho, no miolo do Centro da cidade, era uma alegria dizer um olá ao amigo, para trocarmos dois ou mais dedos de prosa. Falávamos sobre a vida, política, imprensa, algum acontecimento marcante ou recente. A memória dele, sem dúvida, admirável. Papo não faltava.
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