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Cristina Moura

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Meu brinquedo platônico

21/02/2020 às 08h20

Coluna de Cristina Moura

Mercado Central: início dos anos de 1980. Eu procurava fazer tudo certinho, ser bem obediente e comportada nos lugares, sabendo que havia a possibilidade de ganhar um pão doce com garapa. Garapa, que eu digo, é caldo de cana. Claro. Pois é. Ir ao Mercado era um presente, uma premiação, algo que eu pudesse desfrutar, degustando cada compartimento daquele conjunto de informações para a minha cabecinha de criança. Parecia um parque de diversões. Luzes, cores, gente, música, conversa.

Chegávamos em Dona Lormina. Gente, o que era aquilo? Botões: centenas. Formatos diversos, texturas várias, finalidades combinadas. Um mundo. Cores, tantas, muitas, à distância. Isso mesmo. Eu observava a certa distância regulamentar, com mãos para trás. Olhos ligadíssimos. Acompanhava o funcionamento daquela complexa tecnologia de pregar botões com uma máquina, que parecia um brinquedo. Sim, era meu brinquedo platônico.

Pensando bem, o que eu faria em casa com tal engenhoca, não sei. Estou falando aqui de uma menina com seus seis anos de idade. Segundo a metragem da sujeita, pequena repórter, a máquina era gigante, objeto tão difícil de manipular quanto um trator. Quando eu chegava em casa, relatava minhas andanças para as minhas bonecas. Falava de uma banca de uma tal de Dona Losmina. Aí eu não entendia se era Losmina ou Lormina.

O Mercado guarda uns mistérios nos seus frequentadores. Não é possível que aquele teto fique silencioso ao tempo, sem ao menos esconder um segredo, uma treta, um enigma. Cada banca, uma parte do labirinto. Andando mais um pouco, lembro bem da família Mareco. Mais de um ponto comercial e sempre o mesmo sorriso e a forma anfitriã de tratar os visitantes. Às vezes, acontecia de me encontrar com Lucilândio, meu colega da Escola Nossa Senhora do Carmo. Lu é Mareco e Pereira.

Lembro com carinho de Auxiliadora Leite, Bia, na banca de Seu Geraldo. Bia me conhecia desde criança, andando no Mercado com minha mãe. Depois, Bia acompanhou minha morada no Alto Belo Horizonte, dos nove aos dezesseis. Sempre ao visitar meus familiares naquele bairro, era comum parar e tirar três dedos de prosa com Bia, Fátima, e outras tantas que me acompanham, como a família de Seu Casimiro. Edinaldo, Erivaldo, Neta, Neide, Neida e outro grupo pelas calçadas, a desejar boas-vindas aos velhos conhecidos. O povo do gesso, um vai e vem de trabalho, histórias e festas. Tem mais gente: deixemos para outra crônica. Bia agora está noutro mercado, com anjos celestes; lá não se negocia qualquer linha, fita, lã ou agulha; o local deve abrigar painéis flutuantes com milhares de cores, inclusive as que nem conhecemos.

Que alegria sorrir para as pessoas, no meu shopping center. Olha, como ela está grande. Hum, já teve piolho. Olha, ela sempre passa de ano na escola. Olha, ela gosta de estudar. Olha, ela vai ser anjinho de Nossa Senhora. Olha, parece com o povo das Melancias. Muito bem. Depois de andar à vontade, era hora de tomar garapa. Confesso que eu ficava esperando mais pelo pão doce do que pelo caldo. Mas eu traçava os dois, sem dó. A sobremesa era um picolé da Walmor ou um tubo de dropes.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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