Neuras Juninas
Por Cristina Moura
A maioria que leciona Língua Portuguesa é um pouco obsessiva com correção ortográfica. Mas vamos entender o que chamo de obsessão numa pessoa: alto grau de perturbação psíquica, ao ver que a realidade entra em choque com os desejos. Isso, em linhas gerais, é o que os psicanalistas explicam. Em estado mais leve, essa repetição de cobranças, como vou contar agora, transforma-se numa pequenina neurose, fácil de resolver, mas chata para esquecer.
Exemplo recente: fui a uma festa junina e me deparei com uma bela decoração. Bandeiras, bandeirinhas, bandeirolas, balões de papel, tapetes de palha, cortinas de chita. Um primor de cores. Na frase principal da faixa para o dono da festa, estava lá. Olhei. Olhei de novo. Olhei bem. Fui mais perto. Estava mesmo sem o til. Não era assim: Viva São João! Na verdade, foram esquecidos dois tis. Pode ser que tenha acabado a cola.
Fui cumprimentar o povo. Vi que a exclamação, nesse caso,seria também importante. Pois é. Não estava. A frase é, por si, chamativa. Merece, portanto, ser exclamativa. É a função simbólica da data do aniversário: comemorar mais um ano de vida. Noutro ângulo, a fogueira apresenta essa finalidade cadenciada: remonta à pré-história, nosso primeiro fogão, nosso primeiro aquecedor. Relembra a história bíblica. Relembra João Batista. Faz brotar tantas cantigas ou reflexões. Alegra com o laranja e o amarelo do fogo. Clareia o breu da roça. Assa o porco. Espanta o frio. Repele os mosquitos. Relampeia com o forró.
E eu, naquele ruminante conflito, ao pensar na falta do sinal gráfico e da bendita exclamação. Neuras. Neuras. Os recados vinham nos meus ouvidos, tentando frear o comando neurótico. Para, Cristina. É óbvio que todo mundo sabe que o homenageado se chama São João. A fonética é simples. Não importa agora como se escreve. Não importa til. Um caminhão de exclamações estará nos gritos das crianças, depois da quadrilha. Pronto. Resolvido.
Fui procurar canjica, bolo de milho, tapioca, pamonha, arroz doce, manjar, caldo de mocotó, caldo de feijão. Depois, um chá de cidreira, para descansar. Lembrei que gosto mesmo de corrigir frases. É algo que parece espontâneo. Olhar as faixas na rua, os menus, as bulas, os panfletos, os cartões, os cartazes e os outdoors, é automático. Faz parte da rotina. E, por isso, era quase certo eu prestar atenção nos detalhes da quermesse. Vi logo a ausência dos tis. Vi logo que faltava a pontuação na saudação ao aniversariante. Respirei. Relevei. Mas aumentei um quilo. Foi bom.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário