O andor eleitoral
O presidente Lula quer usar sua popularidade para deixar Dilma Rousseff em seu lugar. Vai dar certo? Só Deus sabe… A transferência de voto não é tarefa fácil, principalmente, quando se trata de escolher o prefeito. O prefeito está muito próximo do eleitor, ao contrário do deputado federal, por exemplo, que fica longe das preocupações imediatas da população local. O candidato a prefeito a gente conhece, fala com ele, sabe o que ele pensa, o que é capaz de fazer.
Em tempo de eleição, é comum ouvir que fulano elege até um burro. Arrogantes chefes políticos vangloriam-se: “elejo até um poste”. Essa postura esconde o que alguns cientistas ou meros palpiteiros chamam de “teoria do andor”, significando que pouco importa o candidato em si, mas os apoios que lhe dão quem tem votos. É como se os apoiadores carregassem o candidato num andor. A arregimentação de votos ficaria, assim, a cargo de quem os tem, dos que são bem avaliados.
Isso nunca foi “teoria” nem tese. É estratégia de campanha. Ao longo de muitos anos de militância política e interpretação de fatos eleitorais, registrados em dois livros, monografias e artigos publicados em revistas e jornais, vi filmes que começam com certezas de vitórias. E muita certeza virar derrota. Como foi o caso da eleição municipal do Recife, em 1988. Na época, eram aliados o governador de Pernambuco Miguel Arraes e o prefeito do Recife, Jarbas Vasconcelos, ambos no auge do prestigio e bem avaliados pela população. Os dois reuniam força política que, na aparência, formava um andor triunfante. Pois bem, escolheram como candidato para enfrentar o ex-prefeito Joaquim Francisco (PFL), o deputado Marcus Cunha (PMDB), atuante, destemido, porém, carente de experiência administrativa e carisma pessoal. Dizem que o cientista político Antônio Lavareda foi o inventor da “teoria do andor” para esconder a fragilidade pessoal do candidato governista. Deu-se mal. Marcus Cunha perdeu por mais de 100 mil votos num eleitorado de 800 mil! Uma tragédia que eu sofri na pele como auxiliar do governador Miguel Arraes e membro do diretório estadual do PMDB. O faro do eleitor preferiu o ex-prefeito Joaquim Francisco. A “teoria do andor”, desmoralizada, virou miolo de pote. O santo era de barro, ainda que o andor fosse robusto.
A história política nos ensina que era comum, no passado, os coronéis elegerem postes, não só o prefeito, mas qualquer outro cargo. As normas eleitorais facilitavam a eleição dos preferidos do poder à custa do “bico de pena”, ou do “voto marmita”. Hoje quem faz a escolha, em última instância, é o eleitor ao digitara a urna eletrônica. Os partidos selecionam os candidatos, às vezes, tirados do colete do chefe. Se o candidato for um poste, paciência, a estratégia de campanha deveria, pelo menos, fazê-lo andar com os próprios pés. Como Lula tenta fazer com Dilma Rousseff, expondo-a ao fogo amigo e às investigações dos adversários. Do contrário, para que serviria o poste?
Autor do livro “Do bico de pena à urna eletrônica”.
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